sábado, 12 de setembro de 2009

Yvymarã Ei - "Releitura do Éxodo 3: enquanto vejo Tupiniquins e Guranis sendo mortos pela Aracruz Celulose"






Muito tempo depois morreu o Imperador do Mal, e os Filhos do Sol, gemendo sob o peso da escravidão e da extinção, clamavam, e do fundo da escravidão e da extinção o seu clamor subiu até Tupã. E Tupã ouviu os seus lamentos e gemidos; Tupã lembrou-se do dia em que dançou com os grandes caciques, com os grandes pajés, com os grandes xamãs com os grandes anciãos. Tupã viu o os Filhos do Sol e os conheceu e se compadeceu.

Eis que caçava e pescava Galdino, Pataxó Hã-Hã-Hãe, as margens do Araguaia, próximo aos Karajás, num território que já não pertencia a ele, nem aos seus semelhantes, muito menos aos seus antepassados e isso aumentava ainda mais o sofrimento que trazia em sua alma. E Tupã lhe apareceu no meio dos toros. Os toros originaram o Quarup. E os toros dançavam, como se estivessem vivos e estavam. E os toros dançavam ao som do canto dos pássaros da floresta, ao som de tambores que Galdino nunca tinha ouvido antes. E Galdino disse: "Darei uma volta e verei este fenômeno estranho, verei por que os toros dançam, como se vivos estivessem, como se guerreiros fossem".

E Tupã viu que Galdino deu uma volta para ele ver. E Tupã o chamou: "Galdino, Pataxó Hã-Hã-Hãe".

Galdino respondeu: "Eis-me aqui".

Tupã disse: "Eis a Criação! Dance! Dance para te aproximar. Eis a Pacha Mama e teus antepassados, eis a Grande Gaia! Eu sou Tupã! Eu sou Tupã!"

E Galdino dançou, e ouviu os cantos dos pássaros e dos tambores. E dançou ao redor dos toros onde estava Tupã.

E disse Tupã: "Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está nesta terra continental. Ouvi o seu clamor, o seu lamento por causa dos opressores; pois eu conheço as suas angústias. Por isso desci a fim de liberta-lo da mão do Mal, e para faze-lo subir desta terra a uma terra boa e vasta, terra onde se pesca e caça, onde se planta e colhe, terra onde não existe a morte, onde não há extinção, terra em que não há exclusão. Agora o clamor dos Filhos do Sol chegou até a mim, e também sinto a opressão com que o Mal está oprimindo. Vai, agora, pois eu te enviarei para subir desta terra e ir para o lugar que se chamaYvy marã ei, onde dançaremos a feliz dança da vida".

Então Galdino disse a Tupã: "Como farei sair os Filhos do Sol para a terra sem males?"

"Eu estarei contigo", disse Tupã. E disse ainda: "Vai, reúne os caciques e anciãos e diga-lhes: "Tupã, o Deus de nossos pais, de nossas mães, me apareceu dizendo: "Subirão todos para Yvy marã ei, e dançaremos a dança da vida".

Mas disse Galdino: "Não nos deixarão sair. Seremos assassinados... Destruirão nossa cultura. Nos queimarão vivos enquanto dormimos!"

E disse Tupã: "Estenderei minha mão e ferirei aquele que se diz poderoso. Neste dia a onça pintada não sairá para caçar, o jacaré não entrará no rio, as piranhas não se alimentarão, os pássaros não irão voar nem cantarão, pois Tupã ferirá a casa d'Aquele que se diz poderoso. Se ouvirá em toda a floresta, vale ou campina, na praia ou sertão, o som da guerra em favor do meu povo. E quando todo o povo indígena partir, uma vida nova estará nascendo por essa nova estrada em que caminham os meus guerreiros, as minhas guerreiras.

Eis a terra que lhes dou: Yvy marã ei!"

E Galdino saiu da presença de Tupã com seu espírito fortalecido. Sentira agora, coisas que o sofrimento apagara de seu coração guerreiro. Correndo pela floresta fez a experiência plena na certeza da vitória, pois Tupã desceu e se fez indígena no meio do seu povo.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Algonquins - Como foi dado o Milho aos Índios

Um jovem de catorze ou quinze anos morava com os seus pais, irmãos e irmãs numa pequena e muito bem situada tenda. A família, embora pobre, era muito feliz em bem disposta. O pai era um caçador a que não faltava coragem e habilidade, mas havia alturas em que mal conseguia sustentar a família. Visto seus filhos nenhum Ter idade suficiente para o ajudar, por vezes as coisas tornavam-se difíceis. O rapaz era uma criança feliz e bem disposta, tal como o seu pai, sendo o seu maior desejo o de ajudar o seu povo. Tinha chegado a altura de abstinência, obrigatória para todos os rapazes índios da sua idade. A sua mãe construiu-lhe uma tenda, preparada para tal, num local remoto, onde ninguém o pudesse incomodar durante a sua provação.

Lá, o rapaz meditou sobre a bondade do Grande Espirito que tornou as florestas e os campos bonitos para o prazer do homem. O desejo de ajudar os outros estava nele fortemente implantado e rezou para que lhe fosse revelado, em sonho, a maneira de o fazer.

Ao terceiro dia de jejum, quando estava já demasiado fraco para se poder passear pela floresta e, deitado, se sentia entre o sono e a vigília, um belo jovem veio até ele, ricamente vestidos com mantos verdes e bonitas plumas da mesma cor na cabeça.

"O Grande Espirito ouviu as tuas preces", disse o rapaz como a voz soou como o vento passando por entre a erva. "Escuta-me atentamente e o teu desejo será concretizado. Levanta-te e luta comigo."

O rapaz obedeceu. Embora os seus membros estivessem fracos, o seu cérebro estava lúcido e ativo e ele pensou que não poderia fazer outra coisa senão obedecer aquele estranho de voz suave. Depois de uma longa e silenciosa luta o belo jovem disse:

"Já chega por hoje. Amanhã estarei de volta"

O rapaz estendeu-se no chão, estoirado, mas, no dia seguinte, o estranho de verde reapareceu e o conflito foi retomado. À medida que a luta continuava, o jovem sentia-se cada vez mais forte e confiante. Antes de o deixar pela Segunda vez, o visitante sobrenatural dirigiu-lhe algumas palavras de elogio e coragem.

No terceiro dia, o rapaz, pálido e fraco, foi de novo chamado para combater. Ao agarrar o seu adversário, o próprio contato parecia conferir-lhe nova força, o que o fez com que continuasse a lutar com mais bravura, até que seu companheiro foi forçado a gritar que já bastava. Antes de partir, porém, o belo jovem disse que no dia seguinte poria fim as suas provocações.

"Amanhã o teu pai vai trazer-lhe alimento, o que te ajudará", disse. "Á noite, noite voltarei para lutar contigo. Sei que estás destinado a ganhar e a obter o teu desejo. Quando me tiveres derrubado, despe-me dos mantos e das plumas e enterra-me no local onde eu cair, nunca esquecendo de manter a terra que me tapa úmida e limpa. Uma vez por mês certifica-te de que os meus restos mortais não cobertos são terra nova. E ver-me-ás de novo, vestido com os meus mantos verdes e com as minhas plumas." Dizendo isto desapareceu.

No dia seguinte, o pai do rapaz levou-lhe comida; mas o jovem suplicou-lhe que a comida fosse guardada até a noite. Mais uma vez o estranho apareceu. Embora não tivesse comido nada, a força do herói, como antes, parecia aumentar à medida que a luta ia se desenrolando até que, por fim, derrubou o seu adversário. Depois, despiu-o dos seu mantos e plumas e enterrou-o, não sem sentir pena de Ter matado um tão belo jovem.

Estando a sua missão cumprida, voltou para junto de seus pais e depressa recuperou toda sua força, nunca esquecendo, porém, a sepultura do seu amigo. Nem uma erva sequer conseguia lá crescer e, finalmente, ele foi recompensado. As plumas verdes começaram a aparecer ao cimo da terra, transformando-se em graciosas folhas. Quando o outono chegou, ele pediu ao pai que o acompanhasse ao local. Por essa altura, a planta já estava no seu auge, alta e bela, com folhas esvoaçantes e bolas douradas. O seu pai ficou surpreso a admirado.

"É o meu amigo, - murmurou o rapaz - o amigo dos meus sonhos." "É Mon-da-Min,, - disse o seu pai - o grão do espírito, a dádiva do grande espírito."

E foi desta forma que o milho foi concedido aos índios.

Retirado do livro; Mitologia Norte Americana - Lewis Spence

Editorial estampa / Circulo de Editores - Lisboa