domingo, 8 de fevereiro de 2009

A Arte Rupestre e Comunicação em Magia na Pré-Historia Brasileira



Por Paulo Seda
UERJ/Dept. de História/Programa de Estudos da Pré-História
Brasileira
Instituto de Arqueologia Brasileira
A arte rupestre pinturas, gravações e esculturas em rochas fixas é o gênero, ou exemplo, mais típico e universal de arte pré-histórica, embora também esteja presente em algumas sociedades históricas, inclusive entre populações atuais.
A arte rupestre brasileira é uma das mais expressivas e numerosas em todo o mundo, reconhecida internacionalmente por sua beleza e riqueza de informações, já sendo feita pelo menos 10.000 anos antes do “descobrimento”.
Nossa história da arte não pode desconhecer este patrimônio. A importância e significado da arte rupestre para o entendimento do desenvolvimento da humanidade, são inegáveis, pois estamos diante de um marco fundamental: pela primeira vez o homem preocupase em registrar e perpetuar uma idéia. Tal fato representa um vestígio de evolução mental sem precedentes, o nascimento da arte rupestre significa, poderíamos dizer, o início de um processo de desenvolvimento mental que chegaria até nossos dias.
Animais são, sem dúvida, um dos temas mais recorrentes na arte rupestre em todo o mundo, inclusive Brasil, ultrapassando barreiras geográficas e temporais.
Uma simples consulta às representações de animais permite visualizar toda a história da sua relação com os homens. Ao mesmo tempo, as representações de animais são uma importante fonte de informações sobre a fauna primitiva, variando de lugar para lugar e de época para época, demonstrando uma variedade de representações, de acordo com a fauna da região, desde animais extintos até a fauna atual. Em primeira instância, portanto, o que estes zoomorfos fornecem são informações sobre a fauna contemporânea dos artistas.
No Brasil, embora praticamente toda a fauna esteja representada, os cervídeos, os tatus e os roedores são sem dúvida os animais mais retratados, embora em alguns sítios ou regiões certos animais, não tão comuns, pareçam assumir uma maior importância e mesmo predomínio como, por exemplo, as representações de lagartos em certas regiões do norte de Minas Gerais ou a Lapa Santa Clara em Unaí, Minas Gerais, onde as aves são o único animal representado (PROUS, LANNA e DE PAULA, 1980 e SEDA, 1982).
Imagens celestes, ou representações astronômicas, figuras classificadas como luas, “sóis”, etc., também não são muito raras na arte rupestre brasileira, embora boa parte das vezes costumem deixar muitas dúvidas na sua identificação: chamamos de sol ou lua aquilo que possui, mais ou menos, a forma (ou as formas) que convencionamos ser a do sol ou da lua. Contudo o interesse das populações préhistóricas pelos astros, bem como por representalos, é inegável. Além disto, diversas marcas ou desenhos (não necessariamente de astros) vêm sendo associados a “sistemas de notação do tempo”, onde estão implícitas observações celestes.
Ao contrário do que nos acostumamos a pensar, representações geométricas não são a expressão mais antiga, ao contrário, elas são uma evolução, uma “simplificação, em termos de forma, da expressão “figurativarealista”.
Acostumamonos a pensar assim, por uma visão extremamente etnocêntrica, que concebe os pré-históricos mais antigos como incapazes de representar figuras muito elaboradas e que por isso fariam apenas alguns círculos, traços, etc. Ora, esta visão é totalmente errada, a evolução se faz justamente ao contrário: a “geometrização”, por exemplo, dos antropomorfos e sáurios em Varzelândia, Minas Gerais, até se tornarem figuras em “X” e “?“ com “=” são um exemplo disto, ou seja, aquilo que o homem para representar precisava traçar diversas linhas, ele agora precisa de dois ou três traços (SEDA, 1997). Tratase, portanto, não de uma evolução simplesmente técnica, mas sobretudo de uma
evolução mental: simplificar ao máximo aquilo que se quer representar, portanto simbolizando, significa um avanço sem precedentes.
Um exemplo da arte contemporânea serve para ilustrar nosso pensamento, observando-se os estudos de Picasso sobre o desenho de um touro para compor um litografia. Decorrem onze etapas, ou desenhos, até Picasso chegar ao touro pretendido, o que leva PARMELIN (1981: 3233)
a comentar: “...é impressionante vermos que o primeiro era um touro soberbo. Bem roliço, muito próximo do real e este vai se decompondo até que no décimo primeiro só restavam algumas linhas. Jean Celestin, litógrafo que trabalhava com Picasso comenta: ‘Vai diminuindo, diminuindo de peso’. Henri Deschamps me disse que Picasso estava tirando ao em vez de pôr. Ao mesmo tempo que ele ia decompondo o touro. ...Ele suprimia, suprimia. Pensei no primeiro touro, e disse comigo: é curioso, ele terminou por onde normalmente deveria começar. Mas Picasso procurava o seu touro. E para chegar ao touro de um único traço passou por todos aqueles outros touros. E quando se vê esse traço único não se pode imaginar o trabalho que o artista teve”.
O exemplo do processo de Picasso para chegar ao touro é magnífico, pois “cada etapa tem sua carga de realidade, e cada realidade busca uma nova verdade. E a versão definitiva leva em si a imagem que nos vem à mente quando dizemos a palavra touro” (op.cit.).
Portanto, se os caminhos da pesquisa e da abordagem em arte rupestre são múltiplos, qualquer que seja este caminho devemos ter em mente que “aquilo que se produziu é antes o desenvolvimento extremamente lento (mais de 10.000 anos) dos esforços de tradução manual de um conteúdo verbal já dominado”(LEROIGHOURAN, 1987: 188).
A arte rupestre é portanto uma forma de comunicação, ou, como observa MORIN (1979: 105106), não é ainda a linguagem escrita, mas já é a linguagem do escrito.
A representação desta forma de comunicação, os desenhos, surge, entre outras coisas, da observação da própria natureza: pintar, ou gravar, animais, plantas, astros, fenômenos celestes, etc., é, antes de mais nada, uma simples observação da natureza e isto nada tem de extraordinário. Restanos porém, aí a tarefa mais difícil, procurar entender que conhecimento ou utilidade advinha desta observação.
Morin (op. cit.: 105106) prossegue afirmando que “num certo sentido, a exibição gráfica constitui a aquisição de um novo modo de expressão e de comunicação, que é uma primeira escrita. Ainda não é, naturalmente, a linguagem escrita, mas já é a linguagem do escrito, com sinal ideográfico e o símbolo pictográfico”. Deste modo, tratase do surgimento de uma nova forma de comunicação e linguagem.
Por outro lado, LeroiGourhan (1987: 1989) observa que o surgimento dos símbolos gráficos pressupõe uma nova relação nos dois conjuntos operacionais dos antropídeos (mãosutensílio
e rostolinguagem): a visão passa a ocupar um lugar predominante nos conjuntos rostolinguagem
e mãografia, em relações exclusivamente humanas: “Portanto, podemos dizer que, se na técnica e na linguagem da totalidade dos antropídeos, a motricidade condiciona a expressão, na linguagem figurada dos antropídeos mais recentes, a reflexão determina o grafismo”.
Seria próprio do Homo sapiens, em seus rituais mágicos, dirigirse não somente aos seres dos quais pretende uma resposta, bem como às imagens ou símbolos que supostamente neles se localizam. A linguagem representaria o caminho da magia, pois toda e qualquer coisa traz instantaneamente ao espírito a palavra que a identifica; a palavra, por sua vez, traz imediatamente a imagem mental daquilo que ela evoca e torna presente, ainda que ausente (idem).
É possível então, tentarse compreender as condições de surgimento da magia: era necessário, inicialmente, que a linguagem e o grafismo mantivessem essa dupla existência dos seres e das coisas, era necessário também, um mito que confirmasse e explicasse a realidade viva das imagens, mentais e materiais; possivelmente fosse ainda necessário que a imagem representada constituísse um veículo material para a operação mágica: Assim, a comunicação é assegurada, entre a imagemobjeto e a coisa objetiva, com a magia podendo desenvolverse através da utilização das virtudes eficazes do ritual. Deste modo, as pinturas de Lascaux e de Altamira não foram ‘utilizadas’ por operações mágicas. Elas são um elemento constitutivo da magia.
Com isso, compreendemos melhor que, ainda que as imagens não possam reduzirse à sua função mágica, o universo das imagens desenvolvendose, contribui por si próprio para o desenvolvimento da magia (idem).
No Brasil, na região da Serra do Cabral, Minas Gerais, a existência na região de inúmeros sítios exclusivamente com arte rupestre (à exceção da Lapa Pintada III e da Lapa da Dança), nos permite admitir a possibilidade de uma finalidade cerimonial para os mesmos (SEDA, 1998). Na medida em que a arte e a subsistência não seriam aspectos antagônicos ou mesmo distintos, a Lapa Pintada III e a Lapa da Dança também teria uma finalidade cerimonial. Deve ficar claro também, que este tipo de interpretação não elimina o caráter de comunicação, de mensagem, das suas pinturas.
Evidentemente não podemos saber que tipo(s) de cerimônia(s) desenvolviam, podemos afirmar que as pinturas integrariam um sistema simbólico organizado, embora este ainda nos escape, em que as representações de animais tinham relevância e cujo encadeamento implica em uma estrutura de pensamento bastante complexa. Possivelmente, a exemplo da arte francocantábrica, as pinturas da Serra do Cabral, não sejam simplesmente representações de caça, mas exprimam as relações das funções metafísicas dos símbolos que lhes serviam de base, correspondendo ao arcabouço de uma mitologia (LEROIGOURHAN, 1984: 138), onde os cervídeos, ao que parece, teriam um lugar de destaque.
O fato da arte rupestre não ter se iniciado através de uma submissão ao real, mas ter se organizado a partir de sinais que, aparentemente, exprimem os rítmos e não as formas, permite induzir que a arte figurativa, na sua origem, ligavase à linguagem e encontravase muito mais próximo da escrita (em seu sentido lato) do que da obra de arte. O abstrato, tanto para o símbolo como para a linguagem, representa uma adaptação a solicitações cerebrais cada vez mais precisas. Desta forma, as figuras mais antigas conhecidas não representam cenas, são na verdade símbolos gráficos, sem uma ligação descritiva e que representavam um contexto oral irremediavelmente perdido.
O surgimento da arte representa, portanto, um acontecimento natural dentro da evolução física, mental e sensorial do Homo sapiens sapiens: nascendo da formação do conjunto intelectual linguagemgrafismo, significa a representação gráfica da magia da linguagem.
Desta forma, a mais longa evolução do Homo sapiens sapiens encaminhouse para formas de pensamento que tornaramse estranhas para nós.
Evidentemente, paralelo ao conjunto simbólico das imagens, existiu também, com toda a certeza, um contexto oral, através do qual o simbólico se coordenava e reproduzia os valores espacialmente. Tal forma de representação sobreviveu ao aparecimento da escrita, a qual influenciou consideravelmente onde a idéia sobrepujou à notação fonética.



LEROIGOURHAN,
André. Os caçadores da préhistória.
Lisboa: Edições 70,
1984.
LEROIGOURHAN,
André. O gesto e a palavra 2 Memória
e rítmos. Lisboa:
Edições 70, 1987.
MORIN, Edigard. O enigma do homem. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.
PARMELIN, Hélène. As metamorfoses de um touro. O Correio da UNESCO. Rio de
Janeiro: FGV, 2, ano 9: 3233,
1981.
PROUS, A.; LANNA, A.L.D. e DE PAULA, F.L. Estilística e cronologia na arte
rupestre de Minas Gerais. Pesquisas. São Leopoldo: Instituto Anchietano de
Pesquisas, 1980, nº 31, Série Antropologia, pág. 121146.
SEDA, Paulo. A arte rupestre de Unaí, Minas Gerais. Arquivos do Museu de
História Natural. Belo Horizonte: UFMG, 1982, v. 6/7, pág. 397403.
____________ Arte rupestre de Varzelândia (MG): cronologia e evolução. Anais
do VI Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia. Rio de Janeiro:
Sociedade Brasileira de História da Ciência, 1997, pág. 8795.
_____________ A caça e a arte: os caçadorespintores
da Serra do Cabral,
Minas Gerais. Tese de Doutorado em História Social. Rio de Janeiro: Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1998, il.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Os Cinco Sóis Astecas


O povo Asteca habitou a América Central e a região centro-sul do México há centenas de anos, antes da chegada dos europeus à América. Suas grandes cidades, pirâmides e templos podem ser vistos até hoje em algumas cidades da América Latina. Sua mitologia era rica em deuses e criaturas sobrenaturais. Além disso, os astecas (povo guerreiro e conquistador) incorporavam à sua religião divindades dos povos que conquistavam.

Os astecas eram politeístas e muitas de suas divindades estavam relacionadas com os elementos naturais: ÁGUA, TERRA, FOGO, VENTO, LUA... Os astecas eram um povo de camponeses e guerreiros e seus deuses refletem essa pluralidade.

Conta a mitologia asteca que outras civilizações existiram antes deles. Mas todas elas haviam sido destruídas por diferentes catástrofes naturais. Cada uma dessas gerações de homens era um SOL. A época do povo asteca era o Quinto Sol, ou seja, existiram quatro civilizações antes deles.

O Primeiro Sol foi a primeira civilização existente. Nessa época, viveram homens gigantes criados pelos deuses. Estes seres cultivavam a terra, moravam em cavernas e se alimentavam de raízes e frutos silvestres. Entretanto, foram atacados e devorados por jaguares. O símbolo desta era é uma cabeça de jaguar.

A destruição da era do Segundo Sol ocorreu através de fortes ventos. Os deuses transformaram os homens em macacos para que pudessem subir nas árvores e não fossem carregados pelos furacões de ventos. Essa foi a época do deus Quetzalcoatl, o deus do vento. O símbolo desta era é uma cabeça com um bico de pato de onde esse deus sopra o vento sobre os campos.

Uma chuva de lava pôs fim ao Terceiro Sol, período comandado pelo Deus do trovão e dos raios, Tatloc. Nessa época, os deuses transformaram os homens em aves para salvá-los.

O Quarto Sol foi a época da deusa Chalchiuhtlicue, esposa do deus Tlatoc, deusa dos mares, rios e lagos. A humanidade é destruída pela quarta vez, agora em decorrência de tempestades e chuvas torrenciais que inundaram toda a terra firme, cobrindo até o cume das montanhas mais altas. Os deuses, então, transformam os homens em peixes para salvá-los do dilúvio.

Segundo a lenda, quando a última catástrofe causada pela abundância de chuvas destruiu o Quarto Sol, os deuses se reuniram em Teotihuacan com a finalidade de criar um Novo Sol para dar vida à Terra. Para o nascimento do Quinto Sol era necessário sacrificar um deus. Dois deles se ofereceram para o sacrifício, um rico e poderoso e outro pobre e doente. Um dos deuses deveria se jogar na fogueira sagrada para que um novo sol fosse criado. No dia marcado, todos os deuses se posicionaram na borda do precipício onde estava o braseiro do grande fogo sagrado. Era a hora do sacrifício. O deus rico foi o primeiro que tentou lançar-se ao fogo, mas, covarde, não conseguiu se jogar. O deus pobre e doente, entretanto, não tendo nada a perder, fechou os olhos e saltou. Caiu bem no centro e levantou-se, então, uma chama enorme que o consumiu. O deus rico, arrependido, jogou-se na pequena fogueira que havia sobrado e também foi consumido. O deus pobre se converteu no Quinto Sol e o rico na Lua. Os demais deuses se transformaram nas estrelas que povoam o firmamento. O nascimento dos astros do Quinto Mundo foi desta forma representado pelos antigos astecas.

O Quinto e atual Sol está destinado a desaparecer num grande terremoto, depois do qual os monstros do oeste surgirão para matar todos os seres humanos.