domingo, 23 de novembro de 2008

O primeiro Kuarup


"Kuarup", substantivo do idioma camaiurá: kwaryp. Entre os povos indígenas brasileiros da região do Alto Xingu (Mato Grosso),no Parque Indígena do Xingu, cerimônia sociorreligiosa intertribal de celebração dos mortos, ligada ao ciclo mitológico de um herói cultural, conhecido entre os camaiurás como Mavultsinim. Segundo explica Francisco Venceslau dos Santos, "Ritual é um conjunto de práticas que se concretizam no mundo do sagrado. Quarup, na cultura do Alto Xingu, é um mito das origens, uma celebração dos ancestrais e um rito de ressurreição. (...) O tempo do ritual é a “eterna volta”. O civilizado imerso no presente perpétuo permeado de conflitos sente o fascínio pela narrativa que abole as noções de causalidade e sucessão. Experimenta a nostalgia do sagrado, na tentativa de esquecer as tensões da História. No mito xinguano, Maivotsinin criou a raça humana fazendo quarups (pedaços de madeira), com os quais criou os homens que agora fazem quarups para criar Mavultsinin."
Sobre o primeiro Kuarup, os Kamaiurás contam que Mavultsinim queria que os seus mortos voltassem à vida. Foi para o mato, cortou três toros da madeira de kuarup, levou para a aldeia e os pintou. Depois de pintar, adornou os paus com penachos, colares, fios de algodão e braçadeiras de penas de arara. Feito isso, mavutsinim mandou que fincassem os paus na praça da aldeia, chamando em seguida o sapo cururu e a cutia (dois de cada), para cantar junto dos Kuarup. Na mesma ocasião levou para o meio da aldeia, peixes e beijus para serem distribuídos entre o seu pessoal. Os maracá-êp (cantadores), sacudindo os chocalhos na mão direita, cantavam sem cessar em frente dos kuarup, chamando-os à vida. Os homens da aldeia perguntavam a Mavutsinim se os paus iam mesmo se transformar em gente, ou se continuariam sempre de madeira com eram. Mavutsinim respondia que não, que os paus de kuarup iam se transformar em gente, andar como gente e viver como gente vive.
Depois de comer os peixes, o pessoal começou a se pintar, e a dar gritos enquanto fazia isso. Todos gritavam,. Só os maracá-êp é que cantavam. No meio do dia terminaram os cantos. O pessoal, então, quis chorar os kuarup, que representavam os seus mortos, mas Mavutsinim não permitiu, dizendo que eles, os kuarup, iam virar gente, e por isso não podiam ser chorados. Na manhã do segundo dia Mavutsinim não deixou que o pessoal visse os kuarup. "Ninguém pode ver" - dizia ele. A todo momento Mavutsinim repetia isso. O pessoal tinha que esperar. No meio da noite desse segundo dia os toros de pau começaram a se mexer um pouco. Os cintos de fios de algodão e as braçadeiras de penas tremiam também. As penas mexiam como se tivessem sendo sacudidas pelo vento.
Os paus estavam querendo transformar-se em gente. Mavutsinim continuava recomendando ao pessoal para que não olhasse. Era preciso esperar. Os cantadores - os cururus e as cutias - quando os kuarup começaram, a dar sinal de vida cantaram para que se fossem banhar logo que vivessem. Os troncos se mexiam para sair dos buracos onde estavam plantados, queriam sair para fora. Quando o dia principiou a clarear, os kuarup do meio para cima já estavam tomando forma de gente, aparecendo os braços, o peito e a cabeça. A metade de baixo continuava pau ainda. Mavutsinim continuava pedindo que esperassem, que não fossem ver. "Espera... espera... espera" - dizia sem parar.
O sol começava a nascer. Os cantadores não paravam de cantar,. Os braços dos kuarup estavam crescendo. Uma das pernas já tinha criado carne. A outra continuava pau ainda. No meio do dia os paus começavam a virar gente de verdade. Todos se mexiam dentro dos buracos, já mais gente do que madeira. Mavutsinim mandou fechar todas as portas., só ele ficou de fora, junto dos kuarup. Só ele podia vê-los, ninguém mais. Quando estava quase completa a transformação de pau para gente, Mavutsinim mandou que o pessoal saisse das casas para gritar, fazer barulho, promover alegria, rir alto junto dos kuarup. O pessoal, então, começou a sair de dentro das casas. Mavutsinim recomendava que não saíssem aqueles que durante a noite tiveram relação sexual com as mulheres.
Um, apenas, tinha tido relações. Este ficou dentro da casa. Mas não aguentando a curiosidade, saiu depois. No mesmo instante, os kuarup pararam de se mexer e voltaram a ser pau outra vez. Mavutsinim ficou bravo com o moço que não atendeu à sua ordem. Zangou muito, dizendo: - O que eu queria era fazer os mortos viverem de novo. Se o que deitou com mulher não tivesse saído de casa, os kuarup teriam virado gente, os mortos voltariam a viver toda vez que se fizesse kuarup. Mavutsinim, depois de zagar, sentenciou: - Está bem. Agora vai ser sempre assim. Os mortos não reviverão mais quando se fizer kuarup. Agora vai ser só festa. Mavutsinim depois mandou que retirassem dos buracos os toros de kuarup. O pessoal quis tirar os enfeites, mas Mavutsinim não deixou. "Tem que ficar assim mesmo", disse. E em seguida mandou que os lançassem na água ou no interior da mata. Não se sabe onde foram largados, mas estão até hoje lá, no Morená.


Fonte: www.estadao.com.br/villasboas Sobre o Kuarup, leiam também artigo do antropólogo George de Cerqueira Leite Zarur no site Rota Brasil Oeste

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Aminjin -Kim, Arte marcial cabocla


"Nem Jiu-Jitsu, nem Capoeira, a nova arte marcial brasileira genuinamente cearense acaba de surgir em plena Região Metropolitana de Fortaleza. No município do Eusébio o professor de Kung Fu, Daniel Estevão e seus alunos fizeram uma vasta pesquisa da cultura indígena e descobriram a arte milenar de defesa e combate dos primeiros habitantes do Brasil, daí surgiu a AMINJIN-KIM, que significa estado de amar, ou modo certo de viver, na língua Macro-Jê, povo que viveu no sul do Ceará.
O trabalho será apresentado pelo município do Eusébio, como contribuição da Coordenadoria de Cultura do Município para a conquista do Selo Unicef, neste mês de agosto. De acordo com o prefeito Acilon Gonçalves (PSB) cada secretaria tem que apresentar um trabalho para a comissão que analisa se o município é merecedor de receber o selo.
Unicef indicou que os projetos na área de cultura devam ter como base a cultura indígena ou quilombola. No Eusébio deverá ser feito o lançamento da nova arte marcial em um evento realizado pelo Núcleo de Artes, Educação e Cultura (Naec) do município, neste mês de agosto. De acordo com Daniel Estevão, após uma verdadeira peregrinação pelo Brasil realizando a pesquisa, encontrou algumas lutas milenares praticadas pelos indígenas como o Huka-Huka ou Iuteki, dos índios Xavantes, onde os oponentes lutam ajoelhados (parecido com o sumô).
O Txondaro, dos índios Guaranis, que dá ênfase ao equilíbrio, ao desvio, não se contrapor ao adversário, princípios bem parecidos com as utilizadas pelas artes marciais do oriente. Segundo Daniel, os praticantes do Txondaro conseguem pegar flechas em pleno vôo. Outra luta pesquisada por ele foi o Idajazó, praticada em pé, que utiliza o agarramento, pancada de braços, punho espalmado, ombro e palma aberta nos golpes, bem parecido com o boxe. “Com base nessas lutas, idealizados uma nova prática universalizando a cultura indígena”, disse. Ele catalogou também as dez armas principais utilizadas pelos índios, tais como a aboladeira, a zarabatana, chiuso, lanças, zagaias, o arpão, o tacape e o cavalo, que é utilizado como arma pelos índios Guaiacuru, “nosso catálogo é grande.Estamos recriando um Brasil que a maioria dos brasileiros não conhece, criando uma arte baseada na cultura dos primeiros habitantes dessas terras. Catalogamos 1.500 golpes e movimentos e os batizamos com nomes em tupi guarani e macro-jê”, revelou. Com relação à nova arte marcial, Daniel observa que trabalha quatro princípios. O primeiro é o ANTA-PÉ, que significa agilidade e esperteza, que trabalha o corpo, o adaptando para aprender as técnicas.
O segundo é o TUPAMA, que significa golpe, onde os iniciados aprendem os golpes traumáticos. O terceiro é o VA-VA, que quer dizer balançar, cambalear, onde o aprendiz conhece as técnicas de queda, projeções (parecidos com os utilizados em Jiu-Jitsu) e o quarto o BAMBAÉ, ou aquilo que é torcido, onde são repassadas as técnicas de torção e quebradura.Ele afirma que a nova luta tem uma base espiritual, que é muito forte na cultura indígena e a base de complemento, que explica os acessórios. O “Kimono” também tem como base vestimentas utilizadas pelos indígenas Caxinauá (Huni-Kuin, Kaxinawá), que trabalham com algodão e a faixa dos índios Guaranis. “Dessa forma temos a união de várias tribos, cada uma dando sua contribuição nesse trabalho”, afirmou."

domingo, 9 de novembro de 2008

...reflexões sobre o massacre da Civilização Inca


Olá amigos;

Sei que tá na moda, vilificar os esforços dos primeiros exploradores e conquistadores da Espanha, atirando sobre eles acusações difamatórias de “genocídio cultural”, “fanatismo militante” e “imposição da força bruta. Mas sempre que leio algo sobre a Colonização europeia nas Americas fico me perguntando pelo destino dos 6 milhões de incas que habitavam Cusco, a capital do Império Inca - cujo nome quer dizer, literalmente, "umbigo do mundo", - quando chegaram os colonizadores espanhóis.
Eles eram cerca de 6 milhões, tinham uma das civilizações mais avançadas do mundo na época. Foram dizimados. Em 5 anos estavam reduzidos a 1,6 milhões, escravizados. Todos os que compunham a elite - política, religiosa, científica, cultural, militar -, uns 300 mil, foram liquidados em pouco tempo, cortando as possibilidades de sobrevivência daquela civilização.
Todos os conhecimentos acumulados em astronomia, em arqueologia, em culinária, em religião, em agricultura, foram liquidados.
Como se fica sabendo perto dali, em Machupicchu - "Montanha Velha", - os incas sabiam da circulação da terra em torno do sol, antes de Galileu. Muitos viviam mais de 100 anos, a ponto de que a Universidade de Machupicchu tinha professores de 120 anos.
Em Machupicchu viviam uns 600 ou 700 indígenas, até que um antropólogo norte-americano, Hiram Bingham, "descobriu" a cidade em 1911, levado por um menino que vivia no local. Quando os espanhóis tomaram Cusco, o chefe inca retirou-se para Machupicchu, reuniu todo o ouro e a prata e, para não entregá-la para os colonizadores, fugiu na direção da Amazônia. Daí nasceu o mito de Eldorado, que seria a cidade fundada e construída só de ouro e prata. O chefe inca conseguiu matar ao chefe dos colonizadores, Francisco Pizarro, em um combate.
Como reação recente ao papel de Pizarro, sua estátua foi retirada da principal praça de Lima e deixada em um parque central. Quanto ao antropólogo dos EUA, sob acusações de que teria roubado lingotes de ouro remanescentes e de que não foi o "descobridor" de Machupicchu, como confirma livro de seu filho, baseado em seus próprios diários. A luta dos habitantes locais agora é tirar-lhe esse título falso e atribuí-lo aos indígenas que já viviam em Machupicchu quando ele chegou, especialmente a Agustín Lizárraga, que em 1900 já havia chegado a Machupicchu, mas também a seus conterrâneos Melchior Arteaga, Justo Ochoa, Gabino Sanchez e Enrique Palma.
Pela destruição causada por aqueles de quem é descendente o rei da Espanha - que, talvez pelas tragédias que produziram entre nós, quer que nos calemos -, é difícil imaginar o que seria o Peru de hoje - assim como a Bolívia, o Equador, a Guatemala, o México, o Chile, a Colômbia, entre outros de nossos países, se os povos originários não tivessem sido destruídos e, com eles, suas civilizações, suas culturas, suas formas de vida. Teríamos uma América Latina ainda mais diversificada e relações de igualdade com os países europeus, caso estes não tivessem se enriquecido com os massacres que promoveram na colonização.
Aliás, como deveríamos chamar à destruição das civilizações originais e à escravidão desses povos e dos negros, trazidos à força da África, para ser escravos e produzir riquezas para as potências européias? Massacres? Limpezas étnicas? Crimes contra a humanidade? Foi com esses banhos de sangue que o capitalismo chegou às Américas, trazido pelos colonizadores europeus. Esses mesmos que gostaríamos que nos calássemos sobre as barbaridades que eles cometeram contra nossas civilizações.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Parábola dos Nativos

Conta uma parabola de nativos americanos, que o Criador reuniu todos os animais e disse:
''Quero esconder algo dos Humanos, até que eles estejao prontos para isso - o conhecimento de que eles podem criar sua propria realidade.''
''Dê-o para mim. Eu o esconderei na Lua'', disse a aguia.
''Nao! Em breve eles chegarao até la e o encontrarao!''
''O quê diria de escondê-lo no fundo do Oceano? - pergunta o salmao.
''Nao! La eles também o encontrarao!''Eu poderei enterra-lo nos prados longinquos'', disse o bufalo.
''Eles em breve o escavarao e o encontrarao ali.''
''Ponha-o dentro deles'', disse a sabia bisavo marmota.
''Feito!'' - disse o Criador.
''Esse sera o ultimo lugar onde eles o buscarao.''


(David Icke - LEGENDA NATIVA AMERICANA)

domingo, 2 de novembro de 2008

As tribos do Acre


Por diversas razões, há poucos dados seguros a respeito dos povos indígenas da região atual do Acre. O território dos cursos superiores dos afluentes da margem direita do Amazonas foi explorado relativamente tarde, de modo que os índios dessa região, então praticamente desconhecida, raramente foram mencionados nas fontes mais antigas ou receberam atributos fantásticos. O Pe. Cristobal d‘Acuña registrou, por exemplo, a lenda de que no Purus (ou rio Cachiçuará) viviam índios gigantescos, os Curiquerês, que se enfeitavam com folhas de ouro e traziam anéis de ouro no nariz e nas orelhas. No mapa do "Rio do Omopalens" - o Purus -, realizada por Guillaume d‘Isle da Academia Real das Ciências, em 1703, tais gigantes são denominados Mutuanis, eles habitariam a dois meses de marcha a pé da embocadora daquele rio. Enquanto que se supunha haver gigantes no Purús, acreditava-se que no Jurúa viviam anões e homens com rabos. Ainda na descrição do Pará de Antonio Ladislau Monteiro Baena, publicada em 1832, pode-se constatar a permanência de tais lendas: os índios anões seriam os Caunás, os com rabos os Uginas. Ao lado de tal etnografia fantástica havia também uma geografia marcada por hipóteses: supunha-se que o Purús, famoso pela sua riqueza (salsaparilha, cacao, tartarugas, óleo, peixes), tinha as suas fontes nas alturas da cidade de Cuzco. Este vínculo com Cuzco também era suposto no caso do Juruá, pois admitia-se que teria sido esse o rio da viagem de Pedro de Orsua e Lopo de Aguirre, provenientes do Peru.

Na região dos cursos superiores do Juruá e do Purus, de acordo com as fontes conhecidas, não houve nenhuma missão no periodo colonial. Spix e Martius mencionam, no início do século XIX, que não seria possível pensar em catequização de índios nesse território. É porém difícil afirmar com segurança se esses povos tiveram ou não contactos indiretos com as missões, sobretudo através de indígenas cristianizados provenientes de outras aldeias no século XVIII, uma vez que essas regiões de difícil acesso serviam como territórios de refúgio. A história missionária não pode seguir, no caso, fronteiras nacionais estabelecidas posteriormente. Os jesuítas desenvolveram intenso trabalho missionário no Equador ao redor de 1700. Também as missões espanholas peruanas estavam particularmente ativas nessa época. Para essas aldeias eram levados também indígenas do Brasil, inclusive índios já cristianizados. Mencione-se aqui o povo Marahua, em parte já catequizado e que vivia nos afluentes do Javari e do Juruá.

A artificialidade da divisão política colonial e pós-colonial da região, com penetração por todos os lados, torna difícil toda e qualquer classificação da população indígena segundo perspectivas nacionais. Assim, as tribos regionais, na sua maioria, pertenciam até o início do século XX à Bolívia e, em parte, ao Peru, precisando ser consideradas no contexto histórico desses países, em cuja formação cultural os índios desempenharam um papel muito mais determinante do que no Brasil. Pelas suas características naturais, essa região situava-se porém mais distante dos territórios centrais da Bolívia do que dos restantes territórios de floresta dos afluentes da margem direita do Amazonas, uma vez que há uma continuidade natural entre as partes inferiores e superiores dos rios. A consideração etnológica não pode, portanto, guiar-se pelas divisões nacionais e não pode perder de vista as relações com os indígenas dos países vizinhos da Bolívia e do Peru; ela também não pode considerar as etnias atuais do Acre isoladamente daquelas do Amazonas.

O complexo determinado pelos rios também é de importância fundamental para o estudo dos contactos culturais dos indígenas com a cultura de cunho europeu. Através desses rios, os índios já se encontravam no início do século XIX em contacto com comerciantes de produtos da floresta e que se utilizavam de índios integrados na sociedade brasileira ou de brasileiros de ascendência indígena como auxiliares e intermediários.

Segundo os dados de Spix e Martius, viviam nessa região os Purus-Purus (ou Purupurus) - que teriam dado o nome ao rio -, os Amanatis e os Ita Tapuias; todos seriam temidos pela sua selvageria e o comércio com eles se fazia sob a proteção de armas; a região tão rica em cacau e salsaparilha do Juruá seria habitada pelos Catauixis, Catuquinás, Canamarés e outros povos. Até mesmo esses renomados eruditos mencionam a existência de gente com rabos - os Coatá Tapuias no Juruá - e os anões: os Cananas. Ferdinand Denis, que também cita os Purupurus (Purus-Purus) e os Catauixis, salienta o significado da produção de borracha devido ao incremento da procura européia já no início do século XIX e remonta a origem da obtenção do leite da seringueira aos Omaguas; nessa época, os seringueiros seriam em grande parte indígenas.

Um quadro dos poucos conhecimentos a respeito dessa região e de seus habitantes oferecidos aos leitores interessados da Europa ao redor de 1860 encontra-se no relato de P. Marcoy. Esse viajante compara o estado da época com aquele de 1640 a 1680 e de 1850/51. Ele se baseia em artigo publicado em jornal de Belém (Telégrafo Paraense) de 1829, fundamentado em dados de Noronha e Sampaio (1750-1774). Marcoy reconhece a falta de exatidão dos dados, uma vez que até mesmo o rio Juruá aparece confundido com o Japurá. Para o período de 1640 a 1680, registrou os seguintes grupos indígenas no Juruá: Catahuichis, Cahuanas, Marahuas, Canamahuas, Yumaas, Camaramas, Payabas, Papianas, Ticunas, Nahuas e Culinos; para a região do Purus: Purus-Purus, Muras, Abacaxis, Maués, Sapupés, Comanis, Aytonarias, Acaraiuaras, Brauaras, Curitias, Catahuichis, Uarupas, Muturucus, Catukinos e Sehuacus. O autor menciona que, no ano de 1860, na embocadura do Juruá, viviam ainda famílias do povo Anahua (antes Nahua), no interior Catahuichis e no curso superior do rio Catukinos; para o Purus, registra alguns Muras e muito poucos Purus-Purus no curso inferior, assim como Catahuichis, Catukinos e Sehuacus rio-acima. No seu mapa dos afluentes não explorados do curso superior do Amazonas, Marcoy registra Sehuacus e Canamaris no curso superior do Purus, assim como Catukinos e Canamaris no Tarauaca e no Juruá. Em geral, esse catálogo oferece um quadro da população numericamente mais reduzida da população indígena do lado direito do Amazonas em comparação àquela do lado esquerdo. Demonstra assim, uma redução considerável do número de tribos mencionadas no decorrer do tempo.

Para a mudança da situação étnica nessa região no decorrer do século XIX contribuiram em primeiro lugar os conctactos ocorridos espontaneamente com índios integrados de todo ou em parte (tapuias) com comerciantes, na sua maioria de origem portuguesa, e os empreendimentos oficiais de descimento e aldeamento de grupos que viviam dispersos na floresta. As modificações mais profundas deram-se, porém com a imigração crescente de nordestinos. A procura de mão-de-obra na expansiva extração da borracha acarretou problemas. Talvez por essa razão, já em 1818, o último governador do Rio Negro, Manoel Joaquim do Paço, proibiu viagens pelo Purus. O Govêrno da província do Amazonas salientou numa circular às repartições oficiais, com indignação, que os índios do Juruá, do Purus e de outros rios não eram tratados como homens livres por aqueles que se dedicavam à extração da borracha, sendo às vezes forçados a esse trabalho; tal procedimento criminoso deveria ser severamente punido (Officio Provincial de 16 de julho de 1878). No decorrer da exploração crescente da região, o contacto com índios da área do curso superior do Juruá ocorreu mais tardiamente e de forma mais conflitante do que com aquelas do curso superior do Purus. A resistência indígena contra os invasores no curso superior do Juruá parece ser um indício da força das sociedades indígenas da região, ainda no começo do século XX.Impressões a respeito das dificuldades que resultavam dos contactos e da convivência dos índios com os imigrados oferecem testemunhos da época da passagem do século. Para a área de divisa com a Bolívia, tem-se um desses retratos no relato de Albert Perl, um viajante e empreendedor alemão que visitou uma aldeia Pacaguara no Chipamanu, um dos formadores do Abunã. Ele salientou que, na época, dominava a idéia de que a tribo dos Guarayos ocupava a região do Madidi até o Madeira, passando pelo Madre de Dios, apresentando traços aparentados com os Caripunas e Pacaguaras. Ele, porém, pode constatar que nessa região ainda viviam vários outros grupos diferentes, de tipo não equivalente ao dos Guarayos. Na Barraca Carmen, deparou-se com um grande número desses últimos índios - cujo nome significaria "guerreiro" - e que teriam sido trazidos à força por uma expedição. Dos homens, apenas poucos sobreviviam e encontravam-se à beira da morte. Os índios caiam em apatia e tristeza, recusavam todo tipo de alimentação e morriam de fome.Os grupos indígenas nessa região do início do século XX são tratados nos estudos que já podem ser considerados como clássicos de C. Tastevin e P. Rivet, publicados no órgão da sociedade francesa de geografia. Eles podem ser, em geral, ordenados em dois troncos lingúisticos: o Pano, falado por indígenas que vivem sobretudo no curso superior do Juruá, e o Aruak, falado por índios que têm a sua principal área de difusão no curso superior do Purus e afluentes. Na área do Alto Juruá, pode-se mencionar os seguintes grupos: Amahuaka, Aninawa, Kampa, Katukina, Kapanawa, Kasinawa ou Kaxinaua, Kontanaya, Koto, Kulina, Marinawa, Maseuruna, Naw ou Naua, Nukuini, Pakanawa, Poinawa, Remo, Saninawa e Sipinawa. As tribos do Alto Purus e afluentes eram: Contakiro, Imammari ou Imammali, Ipurinã, Kanamari, Kapecene e Maniteri.


Fonte: Antonio Alexandre Bispo, em "Etnologia do Acre: Índios e Imigrantes." Sobre o Alto Purus, leiam no site do CTC: "Alto Purús: Biodiversidad, Conservación y Manejo"