domingo, 7 de dezembro de 2008

O novo Indigenismo



"Houve um tempo em que as lideranças indígenas eram caciques emplumados que atraíam atenção pela extravagância e tinham enorme dificuldade em se fazer entender pelos brancos. Não há mais espaço para eles. Hoje, os principais líderes indígenas da Amazônia – em especial na calha do Rio Negro – são representantes políticos das etnias. Não são caciques ou pajés; todos estudaram em escolas dos brancos e a maioria tem nível superior. Da cultura indígena, eles trazem a forma direta e sincera de se expressar. São articulados e sabem que seu papel é fazer a ligação entre o mundo dos brancos e as aldeias.
(...) Até aqui, a caminhada política dos indígenas na Amazônia tem sido contida pela esperteza dos brancos. A maioria do eleitorado é indígena, mas os brancos lançam dezenas de candidatos indígenas a vereador e pulverizam as votações. Cansados de ser iludidos, os líderes agora começam a sonhar com a criação de um partido indígena e pleitear uma representação parlamentar indígena exclusiva no Congresso e nas assembléias dos Estados onde a população indígena é expressiva, num modelo importado de Equador, Bolívia, Colômbia e Guatemala.
Quando o poder político for alcançado, virá junto a autonomia das TIs, imaginam. Eles querem que o Brasil seja reconhecido como um país plurinacional, como Canadá e EUA – o que pode produzir um choque frontal com os militares. “Lá os indígenas têm hidrelétricas e comercializam energia. Por que não podemos fazer o mesmo?”, indaga Jorge Terena, assessor da ONG americana The Nature Conservancy. Nem todos, no entanto, querem uma autonomia tão ampla. Bonifácio acha que a autonomia deve ser parcial. Quanto ao partido indígena, diz que não é fácil criá-lo. Só em São Gabriel da Cachoeira existem 22 povos indígenas e 22 organizações sociais: “Meu povo prefere fazer aliança com um branco que com um tucano.”


domingo, 23 de novembro de 2008

O primeiro Kuarup


"Kuarup", substantivo do idioma camaiurá: kwaryp. Entre os povos indígenas brasileiros da região do Alto Xingu (Mato Grosso),no Parque Indígena do Xingu, cerimônia sociorreligiosa intertribal de celebração dos mortos, ligada ao ciclo mitológico de um herói cultural, conhecido entre os camaiurás como Mavultsinim. Segundo explica Francisco Venceslau dos Santos, "Ritual é um conjunto de práticas que se concretizam no mundo do sagrado. Quarup, na cultura do Alto Xingu, é um mito das origens, uma celebração dos ancestrais e um rito de ressurreição. (...) O tempo do ritual é a “eterna volta”. O civilizado imerso no presente perpétuo permeado de conflitos sente o fascínio pela narrativa que abole as noções de causalidade e sucessão. Experimenta a nostalgia do sagrado, na tentativa de esquecer as tensões da História. No mito xinguano, Maivotsinin criou a raça humana fazendo quarups (pedaços de madeira), com os quais criou os homens que agora fazem quarups para criar Mavultsinin."
Sobre o primeiro Kuarup, os Kamaiurás contam que Mavultsinim queria que os seus mortos voltassem à vida. Foi para o mato, cortou três toros da madeira de kuarup, levou para a aldeia e os pintou. Depois de pintar, adornou os paus com penachos, colares, fios de algodão e braçadeiras de penas de arara. Feito isso, mavutsinim mandou que fincassem os paus na praça da aldeia, chamando em seguida o sapo cururu e a cutia (dois de cada), para cantar junto dos Kuarup. Na mesma ocasião levou para o meio da aldeia, peixes e beijus para serem distribuídos entre o seu pessoal. Os maracá-êp (cantadores), sacudindo os chocalhos na mão direita, cantavam sem cessar em frente dos kuarup, chamando-os à vida. Os homens da aldeia perguntavam a Mavutsinim se os paus iam mesmo se transformar em gente, ou se continuariam sempre de madeira com eram. Mavutsinim respondia que não, que os paus de kuarup iam se transformar em gente, andar como gente e viver como gente vive.
Depois de comer os peixes, o pessoal começou a se pintar, e a dar gritos enquanto fazia isso. Todos gritavam,. Só os maracá-êp é que cantavam. No meio do dia terminaram os cantos. O pessoal, então, quis chorar os kuarup, que representavam os seus mortos, mas Mavutsinim não permitiu, dizendo que eles, os kuarup, iam virar gente, e por isso não podiam ser chorados. Na manhã do segundo dia Mavutsinim não deixou que o pessoal visse os kuarup. "Ninguém pode ver" - dizia ele. A todo momento Mavutsinim repetia isso. O pessoal tinha que esperar. No meio da noite desse segundo dia os toros de pau começaram a se mexer um pouco. Os cintos de fios de algodão e as braçadeiras de penas tremiam também. As penas mexiam como se tivessem sendo sacudidas pelo vento.
Os paus estavam querendo transformar-se em gente. Mavutsinim continuava recomendando ao pessoal para que não olhasse. Era preciso esperar. Os cantadores - os cururus e as cutias - quando os kuarup começaram, a dar sinal de vida cantaram para que se fossem banhar logo que vivessem. Os troncos se mexiam para sair dos buracos onde estavam plantados, queriam sair para fora. Quando o dia principiou a clarear, os kuarup do meio para cima já estavam tomando forma de gente, aparecendo os braços, o peito e a cabeça. A metade de baixo continuava pau ainda. Mavutsinim continuava pedindo que esperassem, que não fossem ver. "Espera... espera... espera" - dizia sem parar.
O sol começava a nascer. Os cantadores não paravam de cantar,. Os braços dos kuarup estavam crescendo. Uma das pernas já tinha criado carne. A outra continuava pau ainda. No meio do dia os paus começavam a virar gente de verdade. Todos se mexiam dentro dos buracos, já mais gente do que madeira. Mavutsinim mandou fechar todas as portas., só ele ficou de fora, junto dos kuarup. Só ele podia vê-los, ninguém mais. Quando estava quase completa a transformação de pau para gente, Mavutsinim mandou que o pessoal saisse das casas para gritar, fazer barulho, promover alegria, rir alto junto dos kuarup. O pessoal, então, começou a sair de dentro das casas. Mavutsinim recomendava que não saíssem aqueles que durante a noite tiveram relação sexual com as mulheres.
Um, apenas, tinha tido relações. Este ficou dentro da casa. Mas não aguentando a curiosidade, saiu depois. No mesmo instante, os kuarup pararam de se mexer e voltaram a ser pau outra vez. Mavutsinim ficou bravo com o moço que não atendeu à sua ordem. Zangou muito, dizendo: - O que eu queria era fazer os mortos viverem de novo. Se o que deitou com mulher não tivesse saído de casa, os kuarup teriam virado gente, os mortos voltariam a viver toda vez que se fizesse kuarup. Mavutsinim, depois de zagar, sentenciou: - Está bem. Agora vai ser sempre assim. Os mortos não reviverão mais quando se fizer kuarup. Agora vai ser só festa. Mavutsinim depois mandou que retirassem dos buracos os toros de kuarup. O pessoal quis tirar os enfeites, mas Mavutsinim não deixou. "Tem que ficar assim mesmo", disse. E em seguida mandou que os lançassem na água ou no interior da mata. Não se sabe onde foram largados, mas estão até hoje lá, no Morená.


Fonte: www.estadao.com.br/villasboas Sobre o Kuarup, leiam também artigo do antropólogo George de Cerqueira Leite Zarur no site Rota Brasil Oeste

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Aminjin -Kim, Arte marcial cabocla


"Nem Jiu-Jitsu, nem Capoeira, a nova arte marcial brasileira genuinamente cearense acaba de surgir em plena Região Metropolitana de Fortaleza. No município do Eusébio o professor de Kung Fu, Daniel Estevão e seus alunos fizeram uma vasta pesquisa da cultura indígena e descobriram a arte milenar de defesa e combate dos primeiros habitantes do Brasil, daí surgiu a AMINJIN-KIM, que significa estado de amar, ou modo certo de viver, na língua Macro-Jê, povo que viveu no sul do Ceará.
O trabalho será apresentado pelo município do Eusébio, como contribuição da Coordenadoria de Cultura do Município para a conquista do Selo Unicef, neste mês de agosto. De acordo com o prefeito Acilon Gonçalves (PSB) cada secretaria tem que apresentar um trabalho para a comissão que analisa se o município é merecedor de receber o selo.
Unicef indicou que os projetos na área de cultura devam ter como base a cultura indígena ou quilombola. No Eusébio deverá ser feito o lançamento da nova arte marcial em um evento realizado pelo Núcleo de Artes, Educação e Cultura (Naec) do município, neste mês de agosto. De acordo com Daniel Estevão, após uma verdadeira peregrinação pelo Brasil realizando a pesquisa, encontrou algumas lutas milenares praticadas pelos indígenas como o Huka-Huka ou Iuteki, dos índios Xavantes, onde os oponentes lutam ajoelhados (parecido com o sumô).
O Txondaro, dos índios Guaranis, que dá ênfase ao equilíbrio, ao desvio, não se contrapor ao adversário, princípios bem parecidos com as utilizadas pelas artes marciais do oriente. Segundo Daniel, os praticantes do Txondaro conseguem pegar flechas em pleno vôo. Outra luta pesquisada por ele foi o Idajazó, praticada em pé, que utiliza o agarramento, pancada de braços, punho espalmado, ombro e palma aberta nos golpes, bem parecido com o boxe. “Com base nessas lutas, idealizados uma nova prática universalizando a cultura indígena”, disse. Ele catalogou também as dez armas principais utilizadas pelos índios, tais como a aboladeira, a zarabatana, chiuso, lanças, zagaias, o arpão, o tacape e o cavalo, que é utilizado como arma pelos índios Guaiacuru, “nosso catálogo é grande.Estamos recriando um Brasil que a maioria dos brasileiros não conhece, criando uma arte baseada na cultura dos primeiros habitantes dessas terras. Catalogamos 1.500 golpes e movimentos e os batizamos com nomes em tupi guarani e macro-jê”, revelou. Com relação à nova arte marcial, Daniel observa que trabalha quatro princípios. O primeiro é o ANTA-PÉ, que significa agilidade e esperteza, que trabalha o corpo, o adaptando para aprender as técnicas.
O segundo é o TUPAMA, que significa golpe, onde os iniciados aprendem os golpes traumáticos. O terceiro é o VA-VA, que quer dizer balançar, cambalear, onde o aprendiz conhece as técnicas de queda, projeções (parecidos com os utilizados em Jiu-Jitsu) e o quarto o BAMBAÉ, ou aquilo que é torcido, onde são repassadas as técnicas de torção e quebradura.Ele afirma que a nova luta tem uma base espiritual, que é muito forte na cultura indígena e a base de complemento, que explica os acessórios. O “Kimono” também tem como base vestimentas utilizadas pelos indígenas Caxinauá (Huni-Kuin, Kaxinawá), que trabalham com algodão e a faixa dos índios Guaranis. “Dessa forma temos a união de várias tribos, cada uma dando sua contribuição nesse trabalho”, afirmou."

domingo, 9 de novembro de 2008

...reflexões sobre o massacre da Civilização Inca


Olá amigos;

Sei que tá na moda, vilificar os esforços dos primeiros exploradores e conquistadores da Espanha, atirando sobre eles acusações difamatórias de “genocídio cultural”, “fanatismo militante” e “imposição da força bruta. Mas sempre que leio algo sobre a Colonização europeia nas Americas fico me perguntando pelo destino dos 6 milhões de incas que habitavam Cusco, a capital do Império Inca - cujo nome quer dizer, literalmente, "umbigo do mundo", - quando chegaram os colonizadores espanhóis.
Eles eram cerca de 6 milhões, tinham uma das civilizações mais avançadas do mundo na época. Foram dizimados. Em 5 anos estavam reduzidos a 1,6 milhões, escravizados. Todos os que compunham a elite - política, religiosa, científica, cultural, militar -, uns 300 mil, foram liquidados em pouco tempo, cortando as possibilidades de sobrevivência daquela civilização.
Todos os conhecimentos acumulados em astronomia, em arqueologia, em culinária, em religião, em agricultura, foram liquidados.
Como se fica sabendo perto dali, em Machupicchu - "Montanha Velha", - os incas sabiam da circulação da terra em torno do sol, antes de Galileu. Muitos viviam mais de 100 anos, a ponto de que a Universidade de Machupicchu tinha professores de 120 anos.
Em Machupicchu viviam uns 600 ou 700 indígenas, até que um antropólogo norte-americano, Hiram Bingham, "descobriu" a cidade em 1911, levado por um menino que vivia no local. Quando os espanhóis tomaram Cusco, o chefe inca retirou-se para Machupicchu, reuniu todo o ouro e a prata e, para não entregá-la para os colonizadores, fugiu na direção da Amazônia. Daí nasceu o mito de Eldorado, que seria a cidade fundada e construída só de ouro e prata. O chefe inca conseguiu matar ao chefe dos colonizadores, Francisco Pizarro, em um combate.
Como reação recente ao papel de Pizarro, sua estátua foi retirada da principal praça de Lima e deixada em um parque central. Quanto ao antropólogo dos EUA, sob acusações de que teria roubado lingotes de ouro remanescentes e de que não foi o "descobridor" de Machupicchu, como confirma livro de seu filho, baseado em seus próprios diários. A luta dos habitantes locais agora é tirar-lhe esse título falso e atribuí-lo aos indígenas que já viviam em Machupicchu quando ele chegou, especialmente a Agustín Lizárraga, que em 1900 já havia chegado a Machupicchu, mas também a seus conterrâneos Melchior Arteaga, Justo Ochoa, Gabino Sanchez e Enrique Palma.
Pela destruição causada por aqueles de quem é descendente o rei da Espanha - que, talvez pelas tragédias que produziram entre nós, quer que nos calemos -, é difícil imaginar o que seria o Peru de hoje - assim como a Bolívia, o Equador, a Guatemala, o México, o Chile, a Colômbia, entre outros de nossos países, se os povos originários não tivessem sido destruídos e, com eles, suas civilizações, suas culturas, suas formas de vida. Teríamos uma América Latina ainda mais diversificada e relações de igualdade com os países europeus, caso estes não tivessem se enriquecido com os massacres que promoveram na colonização.
Aliás, como deveríamos chamar à destruição das civilizações originais e à escravidão desses povos e dos negros, trazidos à força da África, para ser escravos e produzir riquezas para as potências européias? Massacres? Limpezas étnicas? Crimes contra a humanidade? Foi com esses banhos de sangue que o capitalismo chegou às Américas, trazido pelos colonizadores europeus. Esses mesmos que gostaríamos que nos calássemos sobre as barbaridades que eles cometeram contra nossas civilizações.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Parábola dos Nativos

Conta uma parabola de nativos americanos, que o Criador reuniu todos os animais e disse:
''Quero esconder algo dos Humanos, até que eles estejao prontos para isso - o conhecimento de que eles podem criar sua propria realidade.''
''Dê-o para mim. Eu o esconderei na Lua'', disse a aguia.
''Nao! Em breve eles chegarao até la e o encontrarao!''
''O quê diria de escondê-lo no fundo do Oceano? - pergunta o salmao.
''Nao! La eles também o encontrarao!''Eu poderei enterra-lo nos prados longinquos'', disse o bufalo.
''Eles em breve o escavarao e o encontrarao ali.''
''Ponha-o dentro deles'', disse a sabia bisavo marmota.
''Feito!'' - disse o Criador.
''Esse sera o ultimo lugar onde eles o buscarao.''


(David Icke - LEGENDA NATIVA AMERICANA)

domingo, 2 de novembro de 2008

As tribos do Acre


Por diversas razões, há poucos dados seguros a respeito dos povos indígenas da região atual do Acre. O território dos cursos superiores dos afluentes da margem direita do Amazonas foi explorado relativamente tarde, de modo que os índios dessa região, então praticamente desconhecida, raramente foram mencionados nas fontes mais antigas ou receberam atributos fantásticos. O Pe. Cristobal d‘Acuña registrou, por exemplo, a lenda de que no Purus (ou rio Cachiçuará) viviam índios gigantescos, os Curiquerês, que se enfeitavam com folhas de ouro e traziam anéis de ouro no nariz e nas orelhas. No mapa do "Rio do Omopalens" - o Purus -, realizada por Guillaume d‘Isle da Academia Real das Ciências, em 1703, tais gigantes são denominados Mutuanis, eles habitariam a dois meses de marcha a pé da embocadora daquele rio. Enquanto que se supunha haver gigantes no Purús, acreditava-se que no Jurúa viviam anões e homens com rabos. Ainda na descrição do Pará de Antonio Ladislau Monteiro Baena, publicada em 1832, pode-se constatar a permanência de tais lendas: os índios anões seriam os Caunás, os com rabos os Uginas. Ao lado de tal etnografia fantástica havia também uma geografia marcada por hipóteses: supunha-se que o Purús, famoso pela sua riqueza (salsaparilha, cacao, tartarugas, óleo, peixes), tinha as suas fontes nas alturas da cidade de Cuzco. Este vínculo com Cuzco também era suposto no caso do Juruá, pois admitia-se que teria sido esse o rio da viagem de Pedro de Orsua e Lopo de Aguirre, provenientes do Peru.

Na região dos cursos superiores do Juruá e do Purus, de acordo com as fontes conhecidas, não houve nenhuma missão no periodo colonial. Spix e Martius mencionam, no início do século XIX, que não seria possível pensar em catequização de índios nesse território. É porém difícil afirmar com segurança se esses povos tiveram ou não contactos indiretos com as missões, sobretudo através de indígenas cristianizados provenientes de outras aldeias no século XVIII, uma vez que essas regiões de difícil acesso serviam como territórios de refúgio. A história missionária não pode seguir, no caso, fronteiras nacionais estabelecidas posteriormente. Os jesuítas desenvolveram intenso trabalho missionário no Equador ao redor de 1700. Também as missões espanholas peruanas estavam particularmente ativas nessa época. Para essas aldeias eram levados também indígenas do Brasil, inclusive índios já cristianizados. Mencione-se aqui o povo Marahua, em parte já catequizado e que vivia nos afluentes do Javari e do Juruá.

A artificialidade da divisão política colonial e pós-colonial da região, com penetração por todos os lados, torna difícil toda e qualquer classificação da população indígena segundo perspectivas nacionais. Assim, as tribos regionais, na sua maioria, pertenciam até o início do século XX à Bolívia e, em parte, ao Peru, precisando ser consideradas no contexto histórico desses países, em cuja formação cultural os índios desempenharam um papel muito mais determinante do que no Brasil. Pelas suas características naturais, essa região situava-se porém mais distante dos territórios centrais da Bolívia do que dos restantes territórios de floresta dos afluentes da margem direita do Amazonas, uma vez que há uma continuidade natural entre as partes inferiores e superiores dos rios. A consideração etnológica não pode, portanto, guiar-se pelas divisões nacionais e não pode perder de vista as relações com os indígenas dos países vizinhos da Bolívia e do Peru; ela também não pode considerar as etnias atuais do Acre isoladamente daquelas do Amazonas.

O complexo determinado pelos rios também é de importância fundamental para o estudo dos contactos culturais dos indígenas com a cultura de cunho europeu. Através desses rios, os índios já se encontravam no início do século XIX em contacto com comerciantes de produtos da floresta e que se utilizavam de índios integrados na sociedade brasileira ou de brasileiros de ascendência indígena como auxiliares e intermediários.

Segundo os dados de Spix e Martius, viviam nessa região os Purus-Purus (ou Purupurus) - que teriam dado o nome ao rio -, os Amanatis e os Ita Tapuias; todos seriam temidos pela sua selvageria e o comércio com eles se fazia sob a proteção de armas; a região tão rica em cacau e salsaparilha do Juruá seria habitada pelos Catauixis, Catuquinás, Canamarés e outros povos. Até mesmo esses renomados eruditos mencionam a existência de gente com rabos - os Coatá Tapuias no Juruá - e os anões: os Cananas. Ferdinand Denis, que também cita os Purupurus (Purus-Purus) e os Catauixis, salienta o significado da produção de borracha devido ao incremento da procura européia já no início do século XIX e remonta a origem da obtenção do leite da seringueira aos Omaguas; nessa época, os seringueiros seriam em grande parte indígenas.

Um quadro dos poucos conhecimentos a respeito dessa região e de seus habitantes oferecidos aos leitores interessados da Europa ao redor de 1860 encontra-se no relato de P. Marcoy. Esse viajante compara o estado da época com aquele de 1640 a 1680 e de 1850/51. Ele se baseia em artigo publicado em jornal de Belém (Telégrafo Paraense) de 1829, fundamentado em dados de Noronha e Sampaio (1750-1774). Marcoy reconhece a falta de exatidão dos dados, uma vez que até mesmo o rio Juruá aparece confundido com o Japurá. Para o período de 1640 a 1680, registrou os seguintes grupos indígenas no Juruá: Catahuichis, Cahuanas, Marahuas, Canamahuas, Yumaas, Camaramas, Payabas, Papianas, Ticunas, Nahuas e Culinos; para a região do Purus: Purus-Purus, Muras, Abacaxis, Maués, Sapupés, Comanis, Aytonarias, Acaraiuaras, Brauaras, Curitias, Catahuichis, Uarupas, Muturucus, Catukinos e Sehuacus. O autor menciona que, no ano de 1860, na embocadura do Juruá, viviam ainda famílias do povo Anahua (antes Nahua), no interior Catahuichis e no curso superior do rio Catukinos; para o Purus, registra alguns Muras e muito poucos Purus-Purus no curso inferior, assim como Catahuichis, Catukinos e Sehuacus rio-acima. No seu mapa dos afluentes não explorados do curso superior do Amazonas, Marcoy registra Sehuacus e Canamaris no curso superior do Purus, assim como Catukinos e Canamaris no Tarauaca e no Juruá. Em geral, esse catálogo oferece um quadro da população numericamente mais reduzida da população indígena do lado direito do Amazonas em comparação àquela do lado esquerdo. Demonstra assim, uma redução considerável do número de tribos mencionadas no decorrer do tempo.

Para a mudança da situação étnica nessa região no decorrer do século XIX contribuiram em primeiro lugar os conctactos ocorridos espontaneamente com índios integrados de todo ou em parte (tapuias) com comerciantes, na sua maioria de origem portuguesa, e os empreendimentos oficiais de descimento e aldeamento de grupos que viviam dispersos na floresta. As modificações mais profundas deram-se, porém com a imigração crescente de nordestinos. A procura de mão-de-obra na expansiva extração da borracha acarretou problemas. Talvez por essa razão, já em 1818, o último governador do Rio Negro, Manoel Joaquim do Paço, proibiu viagens pelo Purus. O Govêrno da província do Amazonas salientou numa circular às repartições oficiais, com indignação, que os índios do Juruá, do Purus e de outros rios não eram tratados como homens livres por aqueles que se dedicavam à extração da borracha, sendo às vezes forçados a esse trabalho; tal procedimento criminoso deveria ser severamente punido (Officio Provincial de 16 de julho de 1878). No decorrer da exploração crescente da região, o contacto com índios da área do curso superior do Juruá ocorreu mais tardiamente e de forma mais conflitante do que com aquelas do curso superior do Purus. A resistência indígena contra os invasores no curso superior do Juruá parece ser um indício da força das sociedades indígenas da região, ainda no começo do século XX.Impressões a respeito das dificuldades que resultavam dos contactos e da convivência dos índios com os imigrados oferecem testemunhos da época da passagem do século. Para a área de divisa com a Bolívia, tem-se um desses retratos no relato de Albert Perl, um viajante e empreendedor alemão que visitou uma aldeia Pacaguara no Chipamanu, um dos formadores do Abunã. Ele salientou que, na época, dominava a idéia de que a tribo dos Guarayos ocupava a região do Madidi até o Madeira, passando pelo Madre de Dios, apresentando traços aparentados com os Caripunas e Pacaguaras. Ele, porém, pode constatar que nessa região ainda viviam vários outros grupos diferentes, de tipo não equivalente ao dos Guarayos. Na Barraca Carmen, deparou-se com um grande número desses últimos índios - cujo nome significaria "guerreiro" - e que teriam sido trazidos à força por uma expedição. Dos homens, apenas poucos sobreviviam e encontravam-se à beira da morte. Os índios caiam em apatia e tristeza, recusavam todo tipo de alimentação e morriam de fome.Os grupos indígenas nessa região do início do século XX são tratados nos estudos que já podem ser considerados como clássicos de C. Tastevin e P. Rivet, publicados no órgão da sociedade francesa de geografia. Eles podem ser, em geral, ordenados em dois troncos lingúisticos: o Pano, falado por indígenas que vivem sobretudo no curso superior do Juruá, e o Aruak, falado por índios que têm a sua principal área de difusão no curso superior do Purus e afluentes. Na área do Alto Juruá, pode-se mencionar os seguintes grupos: Amahuaka, Aninawa, Kampa, Katukina, Kapanawa, Kasinawa ou Kaxinaua, Kontanaya, Koto, Kulina, Marinawa, Maseuruna, Naw ou Naua, Nukuini, Pakanawa, Poinawa, Remo, Saninawa e Sipinawa. As tribos do Alto Purus e afluentes eram: Contakiro, Imammari ou Imammali, Ipurinã, Kanamari, Kapecene e Maniteri.


Fonte: Antonio Alexandre Bispo, em "Etnologia do Acre: Índios e Imigrantes." Sobre o Alto Purus, leiam no site do CTC: "Alto Purús: Biodiversidad, Conservación y Manejo"

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Os Filhos de Hunab K´ u


Olá amigos;
Hoje vou postar duas orações em maia, uma para o dia e outra para a noite. É importante pronunciar as palavras no idioma maia (mântrico). Revivendo a cultura maia estará cumprindo as profecias e fará parte desse ciclo, dentro do qual se manifesta o divino, e se tornará filho de HUNAB K´U em sua memória universal.


ORAÇÃO A HUNAB K´U (PARA O DIA)


CUT IP´IL K´INE C´K´AMIC A THAN YUM
(Ao nascer o Sol recebemos tua palavra, Senho)

TUMEL YETEL U ZAZILE C´AHAL C´PATIC TU LACAL BAAL
(Porque com sua luz desertamos e contemplamos tudo)

C´ILICBA XANTUMEN A PALALOOB XAN
(Contemplamo-nos também porque somos teus filhos)

LEBETICO CU ZAAZTALE C´K´UBCA TECH
(Por sso, ao amanhecer, nos entregamos a ti)

TIAL CA CALANTON. YETEL TOONE CANZAH TECH MIATZIL
(Para que cides de nós e nos ensines tua sabedoria)

A UICH CU PACTICON CU YILCOOM. YUM
(É tu rosto que nos olha e nos contempla, Senhor)

LEBETIC C´K´UBICBA T TECH TAA YETEL YUM HUNAB K´U
(Por sso, nos entregamos a ti, pai e Senhor Hunab K´u)

YETEL TECH CU CU K´UBIC C´PALALOOB
(E te entregamos nossos filhos)

HEBXTU K´UBAHOON C´YUMOOB TI TECH
(Como nossos pais nos entregaram a ti)

YUM HUNAB K´U A UOHEL BAAX CA BETIC TETEL
(Senhor Hunab K´u, tu sabes o que fazes conosco)

TOONEC C´K´ATICTECH YUM HUNAB K´U CA A CANZAHOOB LE BEHO
(Nós te pedimos, Senhor Hunab K´u, que nos ensines o caminho)

ANTON YUM HUNAB K´U U TIAL CA ZUTNAG LE IN LAK´ECHO
(Ajuda-nos, Senhor Hunab K´u, para que retorne esse amor fraterno)

C´K´ATICTECH C´YUM HUNAB K´U TIAL MA ZATAL. OH! YUM HUNAB K ´U!
(Te pedimos, Senhor Doador de Movimento e Medida, para não nos perder. Oh! Senhor Hunab K´u)




ORAÇÃO A HUNAB K´U (PARA A NOITE)


DZU BULUL H´YUM K´IN, DZU TIP´IL X´YUM AK´AB
(Já se pôs o Senhor Sol e já chegou a Senhora Noite)

PEPENOBE CU LEMBALOOB ICHIL U LOL CAAN
(As mariposas brilham entre as flores do céu)

C´TUCULE TIAN TI TECHE C´HUNAB K´U
(Nosso pensamento está em ti, Deus)

TUMEN TECE C´AZAHOLAL, TA K´AB C´K´UBICBA
(Porque és nossa esperança, em tuas mãos nos entregamos)

TECH A UOHEL BAAX CA MENTIC T´ETEL HUNAB K´U
(Tu sabes o que fazes conosco, Hunab K´u)

AK´ABE HUAB K´U, A K´AB CUK´ALALA
(A noite, Hunab K´u, é tua mão que se fecha)

T´ICHILE CU YUCHIL TU LACAL
(E dentro dela tudo ocorre)

HEBIX U TPO´OL NEK´E, HEBIX U HOK´OL YALCHE U TIP´IL LOL
(Como brota a semente, como nasce e brta a flor)

BEYO HEBIX U ZIHIL LE WUINICE
(Assim nasce o Ser Humano)

BEL U YUCHUL TU LACL TU K´AB HUNAB K´U
(Assim tudo acontece nas mãos de Deus)

CALENTEN IN HUNAB K´U! CALENTEN!
(Cuida de mim doador do movimento e medida! Cuida e mim!)

TI TECH IN DZAMA IN WUINCLIL YETEL IN VOL
(A ti entrego meu corpo e meu espírito).

Fonte: "Segredos da Religião Ciência Maia", de Hunbatz Men. Trad: Silvia Branco Sarzana - São Paulo, Ground: 2001. Conheçam o site de Hunbatz Men, ancião da Tradição Itza Maya: http://www.themayas.com.mx

sábado, 25 de outubro de 2008

A Dança das Espirais


"As primeiras brisas frias anunciam o momento de recolher. O instante mágico dedicado ao silêncio, à recomposição energética que se apresenta como um convite ao repensar mais profundo diante da fogueira, é sagrado. O Grande Lagarto se estende sobre as pedras frias, confiante e solitário, a fim de que possa sonhar o amanhã desenhando no Cosmo o respirar de cada criatura.
A hora de firmar com o Intento as aspirações mais elevadas é sutil e reforça a busca de reconexão com Pachamama, a Mãe Terra, em cujos seios estarão deitadas as ações de seus filhos, todos os filhos. Ainda que caminhando cegamente, ausentes de direção, aprisionados a uma existência antropocêntrica destituída de percepções maiores e mais ousadas, esses filhos são também uma parte da Criação, uma modesta parcela que independente de tamanho ou grau de importância, mas que pulsa e está viva.
Ignorante da existência de outros seres e mergulhado em uma soberba absolutamente bizarra, o homem parece fadado à ilusão, distorcendo com habilidade e precisão impressionantes toda a natureza do movimento cósmico simplesmente por não conseguir perceber sua própria dimensão, tropeçando na própria sombra, esquecido da luz e do brilho que reside em todos as coisas vivas.
Mesmo assim, com a chegada das brisas frias e a necessidade de recolhimento tão próprias da estação, Pachamama é generosa e assinala, incansavelmente, o convite para que suas fragmentadas criaturas dancem com as próprias sombras, à luz do fogo, trazendo aos espíritos alembrança ancestral dos ritos do inverno, quando a Dança das Espirais é marcada pelo som dos tambores e orquestrada pelo movimento circular galáctico. Então, quando todos os filhos houverem experimentado a difícil descida aos mundos interiores, quando tiverem ouvido e libertado todos os ais alí depositados, poderão emergir gloriosos no movimento espiral em direção à Grande Luz.
Coloridas lanternas são acesas para que nenhuma alma se perca nesta "perigosíssima" trilha e para que a metamorfose se opere quando o milho fizer estourar no fogo pequenas nuvens, a fim de que os olhos não se esqueçam de mirar os céus e os espíritos aflitos não percam de vista o eterno respirar dos sonhos..."

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

No meio do Caminho (Tradução ao Tupi)

Um presente para todos aqueles que passarem por aqui...
Na página 133 de "Drummond: a Lição do Poeta" (Edição Comemorativa do Centenário do Nascimento de CDA), Teresina, Corisco, 2002, temos uma versão de "No meio do Caminho" em tupi (tradução de Gerobal Guimarães).

PYTÉRIPE PÉ

Pytéripé pé i tyb'amé oîepé itá
I tyb'amé oîepé itá pytéripé pé
I tyb'amé oîepé itá
Pytéripé pé i tyb'amé oîepé itá.
Aan xe sessaraine cuapabuera sui
ecobépe xe essápupé caneõgatu.
Aan xe sessaraine pytéripé pé
I tyb'amé oîepé itá
I tyb'amé oîepé itá pytéripé pé
Pytéripé pé i tyb'amé oîepé itá.



NO MEIO DO CAMINHO

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

(In Alguma Poesia, Ed. Record)

domingo, 19 de outubro de 2008

Sobre a Independência Lakota e o direito indígena


Olá Amigos;
Hojé eu estava lendo um artigo do Tenente-Coronel Edvaldo Tavares, médico do Exército Brasileiro, sobre a independência dos índios Lakota nos EUA.
Achei o texto totalmente desonesto e alarmista.
No sentido de que os patriotas de plantão, em sua defesa por um Brasil íntegro em sua territorialidade, parecem ter esquecido quem são os verdadeiros donos das terras, que habitavam o Brasil, antes mesmo das ilusorias demarcações de fronteiras...
Enfim, fica ai parte do texto para analises proprias.

O povo indígena, por meio de seus representantes da tribo Sioux, também conhecida como Lakota, em 19 de dezembro de 2007, declarou independência em plena capital dos Estados Unidos, Washington, e passou a ser uma nação soberana. A partir desse momento deixaram de existir os acordos estabelecidos nos tratados de 1851 e 1868, que foram firmados no Fort Laramie, Wyoming entre a Nação Indígena Lakota ou Sioux e o Governo dos EEUU. A declaração foi aceita sem armas e derramamento de sangue, pacificamente. Nascia um novo país, a "República de Lakota", fincado no interior da nação soberana norte-americana, a potência econômica e bélica mais poderosa do mundo, intervencionista de acordo com os seus interesses.
A nova nação, independente, é formada pelas reservas indígenas dos estados de Dakota do Norte, Dakota do Sul, Nebraska, Wyoming e Montana, um território de 200.000 Km2 de extensão, maior do que dois Portugal (2 x 92.000 = 184.000 Km2) -- será que o Brasil já reconheceu e terá embaixada nesse recém-criado país?
Como há bem pouco tempo ocorreu, um casal de índios da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol (TIRSS), Roraima, em peregrinação pela Europa, conseguiu levar, inclusive, o Papa no "papo", os representantes silvícolas do novo país enquistado no território dos Estados Unidos da América do Norte saíram em busca de apoio internacional. Bateram na porta da Venezuela, Chile, Bolívia, África do Sul e tudo indica que já gozam da simpatia da Irlanda, Timor-Leste e da Rússia -- Putin não perderia essa oportunidade -- para o reconhecimento da sua independência.
Na sua declaração, os Lakota afirmam que“Somos os Lakota das reservas índias Sioux de Nebraska, Dakota Norte, Dakota Sul e Montana, que adoram a liberdade e que se retiraram dos tratados, constituindo assim uma nação independente e livre. Alertamos a Família das Nações que reassumimos a nossa liberdade e independência sob a lei natural, internacional e dos EUA”.Canupa Gluna Mani, líder da Sociedade dos Guerreiros Strongheart, explica que “a saída do tratado está vestido no poder do povo Lakota e seus filhos”.“Através da nossa história e sob a Lei de Reorganização dos Povos Índios de 1934, o Congresso disse que iria rever as provisões de 1968 (Tratado de Fort Laramie) mas não o fizeram. Mantiveram algumas promessas menores mas de forma geral o tratado não foi honrado. Porque se fosse, não teríamos esse colapso colossal de alcoolismo, abuso de drogas e pobreza e não teríamos as altas taxas de encarceração nas populações prisionais masculinas e femininas”.Os Lakota, descendentes de Sitting Bull e Crazy Horse, declaram que saíram dos tratados assinados com os EUA por causa de sistemática quebra dos compromissos assumidos pelos Estados Unidos nesses tratados e reclamam agora os direitos sobre todas as suas terras.


Para os brasileiros ficarem espertos


Se a nação USA, ainda, a mais poderosa do planeta tem um país indígena encalacrado no seu patrimônio territorial, declarado por uma das três tribos Sioux, como a "República de Lakota", o que dizer da riquíssima TIRSS no nordeste do estado brasileiro de Roraima? Nações soberanas, entre elas a poderosa Rússia, já demonstram interesse no reconhecimento da independência do novo país dentro das terras do Tio Sam.
Para os brasileiros, o acontecimento que os americanos estão atualmente vivenciando serve de alerta sobre a grave ameaça de pulverização em 217 países (216 reservas indígenas + o Brasil) que paira sobre o território nacional. A questão da demarcação das terras da Serra do Sol em extensão contínua com fronteiras pobremente povoadas, ou mesmo despovoadas e desguarnecidas, é um atrativo para as nações cobiçosas ávidas por se apoderarem das riquezas que estão ficando raras no mundo e são abundantes na TIRSS.
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem que estar ciente de que o jogo está em andamento e que a próxima jogada requer, para a vitória do Brasil, que seja executada com a fiel e sincera consciência de patriótica brasilidade.

*Uma mensagem pra os Sr(s) arduos defensores da nossa fronteira setentrional e para aqueles que considerarão impatriotico o voto do Ministro Relator do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto na ONU.

Reclamações internacionais de direitos humanos ajudam a fortalecer a políticas de direitos humanos e os mecanismos de proteção aos cidadãos, ao revés de constituir intromissão estrangeira, seja ela da Russia, da Venezuela, da China ou do raio que o parta!!!

Pra esses Sr(s), gostaria de lembrar que nossa Constituição Federal de 1988 e anterior a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas da ONU ( do qual o Brasil é parte por livre escolha) e já reconhece os direitos dos nossos índios. A Declaração, a Constituição e o voto do Ministro Relator concordam entre si. Quando comunidades indígenas, por meio de suas organizações ou organizações de direitos humanos acessam o sistema internacional de direitos humanos, dentro dos requisitos de processo de direito nacional e internacional, para fazer valer seus direitos fundamentais (inclusive reconhecidos pela Carta Magna), elas estão contribuindo para que o país se auto-examine e reconheça seus limites para, daí então, poder avançar.


domingo, 12 de outubro de 2008

Cipó das Almas


Caros amigos;
O texto a seguir é uma pesquisa que eu escrevi a um tempo atrás sobre vários dos aspectos da Ayahuasca após uma conversa com amigos, na faculdade. Onde ficou evidente a falta de informação e a ignorância das pessoas que atacavam o uso ritualístico-religioso da ayahuasca, como bebida sacramental.
Recentemente o tema veio a tona em novas conversas e em novas discussões com a mesma antiga intensidade...Decidi então publicá-la aqui.
A finalidade deste artigo é lançar luz sobre a consciência desses incautos com sindrome de colonizador, esclarecer as duvidas dos curiosos ou daqueles que pretendem tomar ayahuasca pela primeira vez.



Ayahuasca significa "liana dos sonhos", "Cipó das Almas" ou "vinho dos mortos" em quéchua, designa o chá feito pelo cozimento de duas plantas originárias da floresta amazônica: o cipó jagube ou mariri (Banisteriopsis Caapi) e as folhas da rainha ou chacrona (Psychotria Viridis).
Aya quer dizer "pessoa morta, alma, espírito" e waska significa "corda, cipó ou vinho". Assim a tradução, para o português, seria algo como "corda dos mortos" ou "vinho dos mortos".
A ayahuasca serviu como base para o estabelecimento de diferentes tradições espirituais por comunidades indígenas nos países amazônicos desde tempos imemoriais. Os povos indígenas utilizaram a ayahuasca como um elo imaterial com o divino que estava entre as árvores, os lagos silenciosos, os igarapés. É que, para eles, a natureza possuía alma e vontade própria. Povos indígenas do Brasil, Peru, Bolívia, Colômbia e Equador, há quatro mil anos, utilizam a ayahuasca em seus rituais sagrados, como o padre usa o vinho sacramental na Eucaristia e os indígenas bebem o peyote nas cerimônias sincréticas da Igreja Nativa Americana.O uso ritualístico da ayahuasca é bem mais antigo que o consumo do saquê ou Ki, bebida sagrada do Xintoísmo, usada a partir de 300 a.C, feito do arroz e fermentado pela saliva feminina, sendo cuspida pelas jovens virgens em tachos.
A mesma prática é realizada pelas índias da Amazônia, quando produzem a caiçuma da mandioca, bebida ritualística indígena fundamental na dança do mariri e no ‘contato' com os deuses da floresta assombrosa.As origens do uso da ayahuasca nos países amazônicos remontam à Pré-história. Há evidências arqueológicas através de potes e desenhos que nos levam a afirmar que o uso da ayahuasca ocorra desde 2.000 a.C. Somente os ‘intelectuais de água salgada', que lêem um tomo filosófico à tarde, bebem ‘whisky' à noite e pegam sol pela manhã, para levantar argumentações contra o uso espiritual da ayahuasca. Não conhecem a força e a beleza da espiritualidade amazônica e indígena.A utilização da ayahuasca pelo homem branco é uma acolhida da espiritualidade das florestas tropicais, um banho de rio milenar e sentimental do tempo em que os povos amazônicos viviam em fraternidade econômica e religiosa.
Os ataques ao uso ritualístico-religioso da ayahuasca, como bebida sacramental, me autoriza a afirmar que podem estar nascendo interesses menos inocentes e mais poderosos do que uma simples preocupação acadêmica com a utilização de substâncias psicoativas. Nunca é bom esquecer que a ayahuasca é uma substância natural exclusiva das florestas tropicais dos países amazônicos e pode alimentar interesses econômicos relacionados a patentes e elevar a cobiça sobre a nossa inestimável biodiversidade. A ayahuasca é uma combinação química simples e ao mesmo tempo complexa, que envolve um cipó e um arbusto endêmicos do imenso continente amazônico. Simples porque a sua primitiva química material da floresta é realizada por homens comuns, do pajé ao ayahuasqueiro dos templos amazônicos.
Complexa porque envolve a elevação de indicadores psico-sociais de qualidade de vida e ajuda a atingir estados ampliados de consciência dos usuários. Isso por si só já alça a ayahuasca a um patamar superior no plano do controle científico dessas duas ervas milenares. Assim, a ayahuasca ganha contornos políticos por envolver recursos florísticos de inestimável valor psico-social e espiritual. Os seus usuários consideram o "vinho das almas" como um instrumento físico-espiritual que favorece a limpeza interior, a introspecção, o autoconhecimento e a meditação. Utilizar ayahuasca aqui na Amazônia é beber do próprio poço de nossa ancestralidade e da magia que representa a nossa milenar resistência. Aqui na floresta, protegidos pelos entes fortes de nossa religião animista e natural, nossos ancestrais não precisaram "miscigenar" sua fé. Não foi necessário fazer como os negros escravos que deram nomes de santos católicos aos seus deuses africanos. Nossos ancestrais indígenas não precisaram batizar Iemanjá de Nossa Senhora ou Oxossi de São Sebastião para se protegerem da fé unilateral do dono da terra.
É que entre nós a terra era de todos e o único dono era o senhor da chuva, do orvalho e do sol. A beleza coletiva dos recursos naturais era compartilhada por toda a aldeia, do curumim ao sábio ancião.
A ayahuasca era a essência espiritual dessa convivência material fraterna e universal entre as árvores carinhosas, os riachos irmãos, os pássaros cantores, os peixes, as larvas, os insetos, as flores. A Ayahuasca ancestral era o elo entre a terra e o espírito.
Se não fosse uma erva espiritual e mágica, trazida pelas mãos milenares dos povos indígenas amazônicos, ela não teria resistido ao tempo. Por isso é natural que a ayahuasca atraia cada vez mais o homem branco, esmagado pelo destrutivo modo de vida urbano, elitista, ocidental, capitalista.
A ayahuasca não é um chá que se consome como se bebe um líquido ácido qualquer. O seu uso é espiritual e envolve aqueles que o utilizam na mais límpida tradição de amar o próximo e reencontrar os valores que perdemos na caminhada do planeta que se dividiu em castas, cores, fronteiras e etnias.
Não entrarei no debate acadêmico sobre o uso de substâncias psicoativas por parte das religiões milenares, das eras pré-colombianas aos templos dos tempos atuais. Não tenho competência para debater os pontos de vista da medicina, da psicologia ou da etnofarmacologia. Ficarei apenas com os resultados do uso milenar da ayahuasca pelos povos indígenas e meu pouco conhecimento historico. A milenar história amazônica não registra casos de morte ou de seqüelas à saúde dos povos indígena por terem utilizado a ayahuasca. Nenhum índio deu entrada no hospital dos brancos ou foi curado pelos pajés. Aliás, as mulheres indígenas, ‘apesar' de beberem a ayahuasca, não registram nenhum caso de câncer de mama.
A ayahuasca não é "taliban", seus usuários não se constituem em nenhuma seita, eles não são fanáticos, não há um único caso de morte ou de castigo físico que tenha sido resultado do seu consumo ritualístico. O uso ritualístico da ayahuasca não provoca transes místicos ou de possessão. Ela não age no organismo como a antiga bebida hindu, denominada soma, que se divinizou por afastar o sofrimento, embriagando e elevando as forças vitais.
Depois de 4.000 anos de uso sagrado e ritualístico da ayahuasca os estudiosos da civilização ocidental erguem argumentos anêmicos e endêmicos de uma sociedade que tem medo do ‘contato' aberto do homem com a natureza. É que eles têm medo da relação amorosa entre o indivíduo e a natureza com os seus elementos poderosos e coletivos. Os sábios e avançados incas utilizaram a ayahuasca para consolidar-se como povo, como nação e para ajudar no florescimento da cultura, da matemática, da agricultura e da astronomia. Não é qualquer planta ou cipó que faz um povo, uma história milenar, uma religião. Só não puderam utilizar a sagrada ayahuasca para produzir metálicos fuzis, pois se assim fosse, não teriam sido dizimados pelos invasores espanhóis. Pizarro e Cortez não consumiram o "cipó dos mortos", por isso dizimou tantos guerreiros, mulheres índias, donzelas, pajés e curumins.
A ayahuasca resistiu, venceu os invasores e as suas crenças unilaterais, atravessou os séculos, os milênios, unificou as milenares gerações indígenas e suavizou a dor ‘civilizatória' das eras pós-colombianas.
Quando o Acre propôs, sob a iniciativa da deputada Perpétua Almeida, que o uso ritualístico da ayahuasca fosse considerado patrimônio cultural imaterial é porque ninguém mata uma alma, ninguém prende um sentimento, ninguém aniquila uma vontade e ninguém encarcera uma opinião.
A ayahuasca é diferente de outras religiões, que nascem de visões, contatos divinos, que têm origem na cosmologia do céu para a terra. A Ayahuasca é a religião da terra para o céu, da matéria eterna e natural para o infinito do sonho humano, a religião natural.
Uma verdadeira e única religião do Brasil, aliás, uma colossal e genuína religião amazônica!
Combatê-la é bizarro, síndrome de colonizador!!!
  • Legalidade da Ayahuasca e da doutrina do Santo Daime
A partir da década de 80, devido a movimento expansivo do Santo Daime ocorrido na década de 70, várias foram as iniciativas governamentais no sentido de dar a conhecer a legitimidade e a legalidade do uso religioso da ayahuasca/santo daime:
• 1982 - Nos momentos finais da ditadura no Brasil, uma Comissão formada por médicos, antropólogos, psicólogos, representantes do Ministério da Justiça, Polícia Federal e Exército, visitaram comunidades daimistas na Amazônia.
• 1984 - O CONFEN - Conselho Federal de Entorpecentes, órgão do Ministério da Justiça, cria uma Comissão de Trabalho para estudar o uso ritual do ayahuasca.
• 1985 e 1986 - Visitias da Comissão de Trabalho do CONFEN a comunidades usuárias. Confirmação de pareceres positivos de outras Comissões.
• 1987 - Conclusão da Comissão de Trabalho sobre o uso ritual da ayahuasca/Santo Daime que verificou que "os rituais religiosos realizados com a bebida sacramental Santo Daime/Ahyauasca não traziam prejuízos à vida social e sim, contribuiam para a sua maior integração, sendo notório os benefícios testemunhados pelos membros dos grupos religiosos usuários"
• ---- - Divulgação de resultado de pesquisas farmacológicas e psico-sociais que comprovaram a inexistências de riscos de adição e dependência no uso da ayahuasca em contexto ritual.• 1991/1992 - Implantação de nova Comissão que realiza novos estudos e visitas às principais entidades ayahuasqueiras e daimistas. O CONFEN posiciona-se pelo acompanhamento do uso ritual da bebida, sem nenhuma orientação proibicionista.
• 2004 - O CONAD - Comissão Nacional Anti-Drogas, atual órgão do Ministério da Justiça brasileiro, após dezoito anos de espera da comunidade daimista, reconhece a legitimidade do uso religioso da ayahuasca e a legalidade de sua prática.

sábado, 11 de outubro de 2008

Conto Xamânico Peruano



Caros amigos;
Como estão?
Bom, hojé usarei um antigo conto peruano para expor uma das coisa que mais me indigna no campo das pessoas que buscam espiritualizar-se e a elite esotérico-carnavalesca-espiritualista. Ficam por aí discutindo o sexo dos anjos, comunicando-se com ETs, criticando os que comem carne, andam por ai enrrolados em "cortinas coloridas" oferecendo livrinhos de auto-ajuda com "teorias consoladoras" de mundo que pouco funcionam na realidade...



Conta-se que vivia em alto ponto nos Andes um condor fêmea. Por razões que existem para justificar essa história essa condor estava chocando onze ovos.
Sim, onze ovos no mesmo ninho, nas alturas colocado, sob a grande condor protegidos dos ventos gelados. Do nada que eram, possibilidades erráticas, começaram os ovos a se tornar sementes, potenciais seres, os genes misturados, vindos de sua longa estrada traziam consigo o aprendizado de tantas combinações. Num certo momento os ovos começaram a ter um contato telepático entre si.
E passaram a conversar.Sobre o que conversavam? Ora, falavam sobre coisas de ovos, sobre suas fantasias de estar vivendo, da "realidade" que acreditavam viver.
Com o passar do tempo os ovos notaram que um estado de limitação, de opressão se estabelecia entre eles. Sentiam um certo desconforto e parecia que o desconforto aumentava com o passar do tempo. Algo os limitava, algo os prendia, mas não sabiam o que. Não percebiam que estando se desenvolvendo, era natural que a casca os fizesse sentirem-se presos.
Então um entre eles resolveu ser o messias, o que sabia da realidade final das coisas.- Irmãos, - pregava ele -, tive uma revelação. Descobri a causa de nosso desconforto, de nossa crescente ansiedade. Silêncio! Aquilo era importante.- O vitelo irmãos (o alimento que o pássaro vai comendo enquanto está no ovo) é o vitelo que aumenta nossa tristeza, nossa sensação de desconforto. - Sentimos desconforto porque estamos nos tornando mais materiais, mais pesados, temos que nos espiritualizar irmãos, só se nos espiritualizarmos vamos reencontrar a felicidade e leveza perdidas. Ora, isso era fato, um pássaro no ovo comendo vitelo vai ficando mais pronto e é claro que sente mais os limites do ovo.Mas não sabiam desse fato e a "revelação" do pregador parecia ter total sentido. Aí criaram o movimento fundamentalista :"Só comemos vitelo suficiente para não morrer". A nova moda era espiritualizar-se para recuperar o estado anterior de maior leveza e dissolução .
Como o crescimento acabou mais lento acreditavam que o pregador lhes revelara sublime verdade e logo declararam:- Alimentar-se é pecado!- Ficar mais denso é pecadoCrendo nisso viveram por um tempo numa languides, numa indolência, desnutrida existência, onde a pasmaceira resultante era tida por paz. Mas um dos ovos, sempre tem esse um, revoltou-se contra aquilo.- Ora, pensava, se sempre me alimentei por que vou deixar de fazer isso agora, me sinto fraco, frágil, vou é comer. E voltou a comer.
E comendo plenamento sentiu que estava oprimido, é verdade, sentiu limites, mas não deixou se angustiar por isso e descobriu que sentir os limites de sua condição não era necessariamente associado a angústia e a exasperação. Era um condicionamento responder assim. Foi logicamente excomungado da comunidade, mal exemplo a ser negado. Ovos não conhecem cores, senão teriam dito que ele era um mago negro! Aí se ovos tivessem listas de debates iam debater se magia negra é aquela que manda comer o vitelo e magia branca é o que, em beneficio da espiritualização, manda deixar de comer.
O fato é que ele continuou a se desenvolver enquanto os outros estavam estacionados. Certo dia foram todos, telepaticamente, pregar para o rebelde. Reparem que no estado de ovos eles não fazem nada, apenas imaginam que fazem. Como ovos não há agir, só fantasia de agir, por isso podem se dedicar as doutrinas mais estapafúrdias e sem nexo e ainda as sustentar por uma vida. E lá iam pregar, mudar o diferente, o perigoso, o que com seus atos negava o senso comum. E quem nega com atos é sempre mais perigoso que quem nega em teoria.
Converte-lo, salvar sua alma. O rebelde foi perdendo a paciência com aquela conversa lamurienta, pois sem comer eles não conseguiam mais pensar e ficavam repetindo a mesma frase alegando ter sido revelada pelo grande deus "Ovão".
Não era um diálogo, era um monólogo repetitivo de frases decoradas contra a argumentação do rebelde, com suas habilidades plenas por estar bem alimentado. O rebelde num movimento brusco, com sua parte mais densa (o bico) quebrou a casca do ovo. Para quem viveu no interior escuro do ovo a luz do dia entrando era trevas e no susto desapareceu do contato telepático com seus irmãos. Terror, o pregador, aproveitador como todo bom pregador já pregou:- Estão vendo o que acontece a quem desobece os sagrados mandamentos? Vamos rezar ao Ovão irmãos pela alma desse pecador que se perdeu.
Para eles o rebelde havia morrido. Mas para o mundo aqui fora, para a condor mãe o primeiro dos ovos vingara e ele nascera. Tudo era novo.A principio sentiu terror, depois extâse. E quando contemplou aqueles olhos enormes, aquele ser poderoso novo medo. Quem seria? O diabo a castigá-lo? Deus a puni-lo por ter contrariado o pregador e se alimentado? Com os dias o medo deu lugar ao assombro e este ao fascínio de estar vivo. Nem deus nem demônio, só sua mãe.
O azul do céu, o sol, os picos nevados, a Mãe Condor que agora lhe dava alimento. Dormia muito ainda, pouco notava das saídas e volta da mãe. Noite, estrelas, lua, estava extasiado.
Então se lembrou! Seus irmãos, suas irmãs naquele estado limitado dentro dos ovos, crendo no pregador. Agora ele sabia que era parte do crescimento sentir desconforto, sentir limites.
Fugir disso era fugir do sair do ovo. Do vir para este mundo, este sim real. Contou a sua mãe que queria encontrar um meio de falar com seus irmãos e explicar o que descobrira. Ela riu.- Mesmo que pudesse meu filho, como falaria de céu azul? De vento? Como falaria dos picos nevados? Quer mesmo ajudar, então te aninha quando fores dormir aqui, junto aos ovos e transmite teu calor, assim podes ajudar que choquem mais rápido.
Mesmo lentamente, um a um os ovos foram sendo chocados e nasciam. Ao final de algum tempo todos nasceram, quer dizer quase todos. O pregador não nasceu, espiritualizou-se tanto que gorou...

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Trechos de cartas enviadas à Espanha por Hernan Cortez nas quais ele narra como aniquilou a civilização asteca entre 1519 e 1526




Carissimos;
Estou meio sumido (meio não, inteiro!!!), andei um tempo sem atualizar este blog devido a trabalho, estudo, viagens e a tão temida preguiça mesmo!!!
Mas depois de todo esse tempo que fiquei hibernando, estou retornando a todo vapor e com a mesma proposta de antes...

Pra reiniciar irei postar alguns trechos das cartas enviadas à Coroa Espanhola por Hernán Cortés, um colonizador espanhol nas Américas durante a época da conquista e colonização desta região. Espanhol nascido provavelmente em 1485 em Medellín, atual província de Badajoz, foi mandado pela coroa espanhola ao Caribe para exercer trabalhos administrativos, de onde foi convocado a participar, junto ao conquistador Diego Velázquez, da conquista da ilha de Cuba em 1511, oportunidade em que obteve sua primeira experiência militar. Depois de um grande esforço político, conseguiu a patente de capitão junto a Velázquez e, em outubro de 1518, tornou-se dirigente em uma expedição à Yucatán, região em que hoje está o México. A princípio, sua função era travar acordos comerciais com os indígenas da região, porém Cortés rompeu com Velásquez e fundou uma vila independente, a qual respondia diretamente à coroa. É neste contexto que ele principia suas cartas ao rei da Espanha, Carlos V, as quais terão aqui alguns trechos publicadas.




Segunda carta
Enviada à sua sacra majestade do imperador nosso pelo capitão geral da Nova Espanha, chamado dom Hernan Cortez.
.....
Antes que os nativos pudessem se juntar, queimei seis povoados e prendi e levei para o acampamento quatrocentas pessoas, entre homens e mulheres, sem que me fizessem qualquer dano. (Pag. 33)
....
Antes do amanhecer do dia seguinte tornei a sair com cavalos, peões e índios e queimei dez povoados, onde havia mais de três mil casas. Como trazíamos a bandeira da cruz e lutávamos por nossa fé e por serviços de vossa sacra majestade, em sua real ventura nos deu Deus tanta vitória, posto que matamos muita gente sem que nenhum dos nossos sofresse dano. (Pag. 33).
...
No outro dia vieram cerca de cinquenta índios que traziam comida e começaram a olhar as saídas de nosso acampamento, bem como as cabanas onde dormíamos. Os de Cempoal vieram até mim e alertaram-me para olhar aqueles homens que eram maus e vinham espionar. Dissimuladamente prendi um deles sem que os outros vissem. [ ...] Depois tomei mais outros cinco ou seis e todos confessaram a mesma coisa. Em vista disso, mandei prender todos os cinquenta e cortar-lhes as mãos e os enviei a seu senhor para que dissessem a ele que quando ele viesse saberia quem éramos. (pag. 33, 34).
...saí uma noite, depois de rendida a guarda da prima, com os peões, índios e cavalos, e antes que amanhecesse dei com dois povoados onde matei muita gente, (pag. 34).
Terceira carta
Enviada por Hernan Cortez, capitão e justiça maior de Yucatán, chamada a Nova Espanha do Mar Oceano, ao mui alto e potentíssimo César e invictíssimo senhor dom Carlos, imperador sempre augusto e rei da Espanha, nosso senhor.
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...continuamos a fazer nossos constantes ataques à cidade, sempre provocando muito dano e matando muita gente. Há uns vinte dias que vínhamos fazendo fazendo esse tipo de ação, quando os nossos começaram a insistir comigo, dizendo que era preciso tomar o mercado. Eu me escusava argumentando que só o faria quando tivesse plenas condições. Até o tesoureiro de vossa majestade veio me dizer que todo o real queria que eu tomasse logo o mercado, pois assim os inimigos perderiam o seu posto de abastecimento e morreriam de fome e de sede, pois só lhes sobraria a água salgada da lagoa. (Pag. 89)
....
...Como sempre que batíamos em retirada ao final do dia os índios atrás dos nossos cavalos em grande alarido, resolvi preparar-lhes uma cilada. [...] Depois que os nossos passaram por ali no retorno do fim da tarde, os de cavalo caíram sobre os inimigos que vinham logo atrás fazendo seu constante alarido. Foi uma cilada muito bem feita e conseguimos matar uns quinhentos dos índios mais bravos e mais corajosos. [...] graças a esta vitória que Deus Nosso Senhor nos concedeu neste dia, se tornou mais próximo o momento de se ganhar toda a cidade, porque os nativos sofreram um grande abalo [...] A única perda lamentável que tivemos naquele dia foi uma égua cujo cavaleiro caiu, e que saiu em corrida sem rumo, indo parar no meio dos nossos inimigos que a flecharam... (Pag. 93)
....
Permanecemos no real uns três dias ou quatro dias descansando, enquanto se fundia o ouro recolhido, o que deu mais de cento e trinta mil castelhanos, do que se entregou o quinto ao tesoureiro de vossa majestade, enquanto que o restante foi repartido entre eu os espanhóis, de acordo com a qualificação e o serviço de cada um. Entre os despojos havia tantos discos de ouro, penachos e plumagens, coisas tão maravilhosas que por escrito não se pode fazer compreender sua beleza. Por serem tão maravilhosos, juntei todos os soldados e roguei que não fossem quintadas, mas enviadas todas a vossa majestade. (Pag. 98)
Quarta carta
...
Mas, a 5 de fevereiro o dito capitão partiu novamente para lá e espero que desta feita ele possa realizar o seu trabalho, pois além de ser aquela uma terra rica em minas os seus nativos não param de importunar os seus vizinhos que se tornaram nossos amigos. [...] pedi ao capitão que os derrotasse, os matasse e tomasse por escravos os que sobrassem vivos, ferrando-os com a marca de vossa majestade. Tenha por certo, mui excelentíssimo príncipe, que a menor destas entradas me custa mais de cinco mil pesos de ouro e que as Pedro de Alvarado e de Cristóbal de Olid custam mais de cinquenta, sem contar outros gastos de minha fazenda. Porém, como é para o serviço de vossa majestade, se a minha pessoa fosse junto, isto seria uma grande honra e recompensa. (Pag. 113)